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segunda-feira, 13 de julho de 2015

ALICE E ANA



        
      Não havia dias claros para Alice. Enquanto os gatos subiam o telhado, ela riscava com o dedo o caminho das estrelas pequeninas do céu. As vezes,  um vento gordo e ruidoso  batia as janelas da casa e derramava para dentro do quarto as lágrimas da noite. A menina enfileirava os soldados prontos para guerra -  guerreiros armados até os dentes que atravessavam pântanos  e dunas para chegar ao campo de batalha. Eles sempre  cantavam durante o trajeto. Nenhum dos soldados em trajes de gala esperava encontrar os inimigos, sonhavam com bolos matinais e beijos de noiva e riam, talvez do ritmado eco dos passos nas pedras. Iam em frente.

          A menina trancava todas as pequenas  pedras no armário de roupas, pois eram parte de castelos e terraços, e tinham cheiro de jardim. Não havia brinquedos na casa, era uma infância nua de cores e sons. Era um quarto branco e grande, fundo e oco  como um baú de madeira e todas as centenas de camas ao lado estavam vazias, sempre.

          Naquela noite, Alice deixou aberta a janela e o sopro do vento fez tremer o apanhador de sonhos por três vezes. Este leve movimento a fez adormecer e mudar de casa. Era agora a casa de janelas e portas de desenhos sinuosos na madeira - alecrins dourados , longos e doces, ornamentavam a fachada. As portas e janelas só abriam por dentro. Além disso  o caminho estreito que subia até a entrada da casa não convidava as visitas. Quando a nova moradora viu-se dentro da casa, olhou o teto azul que movia-se passo a passo e seguiu com ele por corredores e escadas. Não sentiu nenhuma vontade de abrir nenhuma das portas, procurava um pequeno ruído, quase um canto. Colocava junto as portas o ouvido para aprisionar a música. Ela conhecia o som, ela conhecia os versos, ela os encontraria. Subiu o mais rápido que  e pôde e dobrou os passos a direita.  Viu o lastro luminoso que vinha. Era um cântico de infância nascia entrecortado por  tropeços de palavras, era a memória de alguém que fragmentava os versos. Era uma voz de criança.

           Abriu com força a última porta. A claridade a impediu de ver. Esperou um pouco. A menina de costa, voltou-se ligeiro e sorriu.

L.A