Subiu a escadaria do prédio e em pé ao lado do círculo, formado pelas colunas , olhou o salão que estendia-se alguns metros abaixo. O piso era transparente e com alguns desenhos geométricos em riscos. Olhou demoradamente o vidro e não pôde distinguir nenhuma forma. A partir dali, o rapaz sabia que seria necessário retornar ao seu formato de luz e calmamente tirou os sapatos. Desceu os degraus em direção ao salão e seus pés escoaram, como água, pelo risco do desenho. Em alguns minutos havia apenas o salão vazio. Em volta das colunas pequenos canteiros de flores . As flores não emitiam nenhum perfume, zuniam baixinho o que parecia uma melodia. As flores indagavam-se por que aquele ponto luminoso não gostava de ser um ponto luminoso e era aquela figura comprida e estranha. O único barulho era a canção das flores.
No corredor, sob o piso de vidro, o rapaz recebeu a claridade do ambiente e misturou-se a ela. Outros pontos, como ele, deslocavam-se em todas as direções. Tentou observar formas e reconhecer rostos. Eram os velhos companheiros de sempre, de volta ao Hangar de pouso, entre um voo e outro. Alguns acenavam do outro lado, numa via de retorno. Bartolomeu via o ambiente como seu olho estava acostumado a ver. Observou que voltara a morfologia corporal e sentiu-se bem assim. Para alguns era um ponto de luz, para outros era o jovem magricela de cabelos desalinhados.
- Bartolomeu, temos notado o quanto tem sido difícil para você este trabalho em Hospitais e Clínicas.
_ Bem, na verdade isto de ficar atravessando paredes de quartos e não poder falar com as pessoas me deixa um pouco inquieto; mas , não se preocupe, eu como todos os outros quero um dia ser Querubim, e o que for necessário fazer, estarei às ordens.
- É necessário que você experimente todo o tipo de serviço, é uma maneira de descobrir sua verdadeira natureza. Ultimamente, percebemos que você tem usado a mesma aparência por muito tempo e então saiba que ela é sua definitivamente.. Se visto por alguém, será assim com este corpo e rosto.
- Nenhum problema Senhor, mas o que tenho mesmo que fazer?
- Preparar as caixas, Bartolomeu. Preparar as caixas e enviá-las a esta lista de endereços, antes do fim do ano.
_ O Senhor está dizendo que eu fui promovido? De arrebanhador de moribundos a programador de destino? Não, não se aborreça com minhas palavras, eu, na verdade, sempre quis fazer este trabalho.
- Hum... é compreensível.
_ Não... bem, desculpe, eu quero dizer que é melhor a esperança que a fatalidade.
_ Nenhum problema Bartolomeu, aqui estão as instruções neste envelope. Você prefere ler, não é mesmo? Provavelmente, se vivesse com sua forma luminosa, as instruções seriam absorvidas mais rapidamente.
_ Não quero ser rebelde, mas ainda não me acostumei com isto de ouvir sem ter ouvidos, falar por todos os poros, de deslocar na velocidade da luz. Ah, eu ultimamente gosto de usar minhas habilidades primárias. Andar passo a passo, ver e sentir as pedras e plantas, ter um pensamento de cada vez.
_ Você sabe o que isto significa não é Bartolomeu?
_ Sei sim .
_ E que isto pode acontecer de uma hora para outra?
_ Eu sei, e quero apenas estar pronto,
O rapaz recebeu o envelope e o colocou no bolso da camisa. Abraçou o companheiro e saiu apressado. De volta, ao caminho estreito, observou os outros que chegavam, e acenou-lhes. Se pudesse, ia até eles e contava as novidades. Essa necessidade impetuosa precisava ser contida.