Tente acompanhar agora o ruído do relógio, não há como evitar que os ponteiros caminhem, mas vem o dia que, por se ter provado o fruto, a gente se descobre nu. Mas há os antes e foram estes:
Era o seu quinto aniversário. O ruído da louça e o cheiro de bolo trouxeram-no à cozinha. Expiou e por detrás da cortina. Puxaram-no. Vieram as ordens: Tomar banho, lavar as orelhas, cortar as unhas. Não suje a roupa. Senta aqui. Ah, tira a mão do bolo!
− Como você está bonito!
Chegaram os tios, os primos. Veio aquele presente comprido, outros pacotes. Ah, aquele presente enorme... aquele presente. O tio abriu-o bem debaixo do seu nariz:
− Cuide dele, não deixe ninguém riscar.
Era um espelho. Sobre ele uma gravura chinesa. O menino passou a ser parte da gravura. Vieram os parabéns, o sopro, os abraços. O menino na gravura, grudado nela. O espelho colocado no canto da sala refletia seus olhos grandes. Duplicou a música, triplicou os balões, eternizou o “Viva!”
− Cuide bem dele.
O dia seguinte acordou-o cedo. Correu à sala. Rastros de bolos no espelho.Não viu. A gravura quase branca sobre o vidro era tão...Viu-as. Moscas passeavam tranquilamente por seu território. Refletiam as patas sobre o desenho claro. O guardião do templo saiu à porta, olhou os campos. A respiração foi freando, freando, muitas vezes. Desceu-lhe o suor dos grandes guerreiros. Correu à porta da cozinha, puxou a vassoura. Ergueu sua espada por sobre a cabeça e disparou de volta. Antecipando toda a força do homem que um dia haveria de ser, arremessou-a em direcção ao inimigo.
O barulho dos cacos acordou a casa, o barulho da casa sacudiu-lhe os ombros.
Luísa Ataíde
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