«Vim lançar fogo sobre a terra», disse Jesus. Era a hora em que o interrogavam sobre a razão da sua vinda ao mundo. Na senda de Jesus, Santa Teresa de Lisieux, também chamada Santa Teresinha («petite Térèse») do Menino Jesus e da Santa Face, queria também lançar um «fogo sobre a terra» como se fosse uma semente de humildade a arder em amor.
O
amor tinha a sua imagem privilegiada no próprio fogo, porque o amor era um
sinal vivo de desvio ou de mudança em relação à permanência ou imobilidade do
mal. «Olhai as crianças, olhai como elas amam, como transbordam de amor sem
esperar uma recompensa», poderia ter escrito Teresa de Lisieux. É que Santa
Teresinha do Menino Jesus via na infância o grande paradigma da conduta humana.
Toda
a palavra de Teresa de Lisieux se fundamenta na problemática da humildade, quer
nos actos, quer nos pensamentos. Só a humildade concede o dom da glória mais
alta. Nos seus escritos, tanto de prosa memorialista como nos poéticos, é
visível a importância dessa questão fulcral. De facto, surge através de
constantes alusões e de exemplos práticos, formulando deste modo uma verdadeira teologia da humildade.
Logo ao entrar no convento da Ordem do
Carmelo, com apenas quinze anos, Teresa de Lisieux salientou como o Menino
Jesus estava no centro da sua atenção, ao querer adoptar este apelativo- Teresa do Menino Jesus.
Na
verdade, o Menino Jesus é o símbolo mais perfeito da humildade presente no
próprio Deus - Deus tornou-se criança para mostrar à humanidade como era
importante esse tempo primeiro, que todos viviam de modo tão semelhante e a que
se seguiam outros tempos, em que era, a maior parte das vezes, esquecido o
primeiro.
Ser
sempre pequenino, muito pequenino, para ter a glória de conquistar grandes
coisas. É pedindo para a tratarem por «pequena Teresa», que Teresa de
Lisieux mostra o seu apreço pelo sentimento
da humildade, mesmo quando já tivesse subido ao reino do Céu. E mesmo aí, ela
continuava «pequena», ou até se tornaria mais pequenina para poder ter a
plenitude da glória divina ou do reino de Deus, em construção pelo amor e no
amor perene.
Na
«pequenez» se construía, segundo Teresa de Lisieux, o Altíssimo. Na conduta
humilde se ergueria um novo Céu e uma
nova Terra. No que era cheio de «pequenez», descobria Santa Teresinha do Menino
Jesus um Deus absoluto e sem limites. Na palavra dita sem espectáculo ou na
acção discreta e silenciosa, estava todo o sentido do eterno. Teresa de Lisieux desocultava
o eterno em todo o coração habitado pela humildade.
Na
graça do Céu habitavam as almas que se sentiam mais pequeninas e que até de si
próprias se escondiam por se acharem pouco significantes. Era dessa «pequenez»
que se elevavam os seres até ao Alto. Até às alturas infinitas de Deus. E ao
voltar-se para a sua alma de criança, o homem entrava na Casa de Deus. Por
isso, Jesus quando Lhe perguntaram onde estava
o reino do Céu disse que «o reino do céu está dentro de nós».
Uma
jovem que sentiu a primeira grande dor na alma aos quatro anos, quando morre
sua mãe, vê tudo isto muito cedo. É que, Teresa de Lisieux começava com pouca
idade a correr para o destino da santidade. Ser santa, vir a ser «uma grande
santa», torna-se lentamente o seu
desejo mais profundo. Vivendo uma infância de perda, Teresa de Lisieux começa a
edificar a sua «única e verdadeira glória» - ser santa.
A
santidade torna-se o objectivo final da sua vida, um objectivo sem fronteiras
materiais, unicamente espiritual, tão espiritual que a tudo está disposta para
o alcançar. Os sofrimentos físicos ou
espirituais que defronta acabarão por se lhe afigurar breves e pouco intensos,
para ter como recompensa a glória do reino divino, onde o perfume do amor se
parece com o de todas as pequenas rosas do mundo. E é precisamente nas mais
pequenas rosas do mundo, que Teresa de Lisieux observa aquilo que se revelará
como o símbolo mais adequado para representar a beleza infinita da humildade.
Lembremos hoje, a beleza e o perfume das
pequenas rosas de Santa Teresinha do Menino Jesus. Vejamos nelas o coração puro
de criança que, dentro de nós, não se deve ter ainda apagado irremediavelmente.
Como nesse século XIX em que viveu Teresa de Lisieux, hoje há necessidade de
santos, de quem queira ser santo, como o desejou esta santa, tão popular em
Portugal como por todo o mundo. A santa que, a fazer pequenas coisas «que
ninguém via» se tornou tão conhecida e amada por todos os que dela e das suas
pequenas rosas ouviram falar.
Em
homenagem à «pequena Teresa», recentemente elevada a Doutora da Igreja (1997)
pelo Papa João Paulo II, lembremos uma, das muito belas palavras que deixou
escritas, para que ninguém as esquecesse: «Quero ver se encontro um ascensor
que me eleve até onde habita o meu Jesus, pois sou pequenina demais para trepar
pela íngreme escada da perfeição»*. E mais adiante: «O ascensor em que hei-de
subir ao Céu são os vossos braços, ó meu Jesus! Para isso não preciso crescer;
pelo contrário, tenho que ser pequena, tornar-me cada vez mais pequenina»*
Lisboa, 12 de fevereiro de 1998. TERESA FERRER PASSOS
-Santa Teresa do Menino Jesus, História de uma alma, 11ª edição, Livraria Apostolado da Imprensa, 1985, pag. 192. Public, no Jornal A e revista Stella , Jan/Fever. 1999, Fátima