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segunda-feira, 29 de junho de 2009

AOS MEUS AMIGOS




Poema de Jorge Vicente - Sintra , PT

disseram-me que, de manhã,
se ouve o Tejo todo,
e que as pessoas transportam em

si aquela imensidade vasta,

como quem é feito de História

e não sabe porquê

disseram-me que o tempo não

volta ao lugar onde nasceu, e

que os amigos que se perdem são

como o areal à volta da minha casa:

os retalhos, as migalhas, a presença

sempre ausente das águas em

combustão

e a sensação de que sempre foi assim,

com aquelas mesmas pessoas,

com aqueles mesmos rostos

por dentro da História

e com o Tejo debaixo dos braços.

Do livro - Ascensão do Fogo
Créditos de imagem- Alastair Magnaldo

terça-feira, 9 de junho de 2009

ÀS TONTAS

LUÍZ MARTINS



Tanta coisa vã no mundo,

Tanto mundo nas escuras.

Tanta coisa vai ao fundo,

Tanta alma na rasura.



De tonto viver às tantas,

Tento-me esguio no feito,

De tão gordas são as contas,

Lívida, a vida no seu jeito.



Livrara-me de tanta carga,

No encargo do todo dia,

Mal o azinhavre se larga,

No de escrever algaravia.


Só a tonteira é o incômodo,

Viver bêbedo sem bebida,

Paixão, fermento sem bafo,

Trôpego, mas cheio de vida.


( créditos de imagem - http://www.coluna-da-sal.com/nop/principal.htm )

segunda-feira, 8 de junho de 2009

NASCER DE NOVO


Diz o Evangelho de João que é necessário nascer de novo.
É a transmutação da água na evolução interior de cada um.
Em todos nós existe uma centelha divina, somos carne e divindade.
No exercício diário da reforma íntima faz-se necessário que a centelha do Cristo em nós, saia dos textos lidos e esteja presente em nossa rotina.
No trato com os familiares, no trânsito, no ambiente de trabalho, no Bom-Dia ao vizinho. Nenhuma razão maior de estarmos todos juntos no mesmo planeta há, se não for para aprendermos a amar o nosso semelhante.
O Amor incondicional que nos falou Jesus é o exercício diário de ser Cristão.
Se estamos juntos neste orbe terrestre é porque ainda estamos no mesmo nível evolutivo ou seríamos Arcanjos e povoaríamos as estrelas.
A cada um é dado a grande tarefa do aprendizado.
Todos os dias nos dá o Criador mais vinte e quatro horas de crédito para recomeçarmos.
É necessário o balanço antes do sono dos atos do dia: se ofendemos, se criticamos, se não fomos soldados da solidariedade.
Que estes dias nos sejam de reflexão e crescimento.
Que possamos renascer todos os dias.
L.A

domingo, 7 de junho de 2009

PONTE SOBRE ALMODOVAR- CONTO

                                          Às vezes, vejo as fotografias impressas na parede da sala, foto em preto e branco, sem foco, feito neblina de inverno

Apertou com força o botão do elevador.  Quinto andar? Optou mais que depressa pela escada. Quinze minutos apenas a separavam do retorno ao carro. Localizar o CD, baixar Download, um chuveiro rápido, pegar as anotações, desligar o computador. Chegou ofegante ao último degrau. Passos rápidos à porta, rodou a maçaneta e esticou os dedos ao interruptor. Não fez-se luz. No centro da Rosa dos Ventos, em ásana sobre a montanha , equilibrava-se em uma das pernas a ave Arqueopterix . As asas estendidas ensaiavam lentamente o movimento. Do bico escorria um líquido escuro e os olhos cor de guaraná tentavam trazê-la ao imã da partida. A mulher fechou vagarosamente a porta atrás de si. O coração reiniciou o cansaço da subida. Olhou as vidraças abertas, as folhas como casca de árvores espalhando-se pela casa.
Sob a asa esquerda estava o menino. Cabelos cacheados quase ruivos, o sono dos justos. Sob a outra asa, outros dois brincavam no ninho de penas coloridas. Sobre o dorso dinossáurico uma mulher costurava. Imersa na tarefa, nada via. Tentou buscar os olhos da mulher num contato quase telepático. Um simples olhar poderia salvá-los. Por breve instante a mulher deitou ao lado a costura e levantou do colo o livro. Absorveu-se mais ainda no texto e não olhou ao redor.
A ave sustentava o olhar enigmático. Limpou o bico no chão da sala duas vezes. Retomou a altivez da partida. Pensou em gritar à mulher que agora lia :

_ Você, por favor, pegue os meninos e desça!
A mulher sorriu calmamente:
_ O vento? Não se preocupe, é pouco.
Deu alguns passos até as portas de vidro que conduziam à varanda, na tentativa de fechá-las.
A imensa ave lançou o grasno rouco na direção do teto e balançou, agora com força, as asas. Curvou o corpo para esquerda e arremessou-se em direção à tarde que sangrava luz. O barulho dos vidros estilhaçando-se no chão da sala estremeceu-lhe os tímpanos. A mulher sobre o dorso do animal, dobrou a página do livro.
Sobre a rosa dos ventos apenas o vermelho óxido das folhas e vidros como diamantes finos. Da parede nasciam lentamente as vibrações da música. As notas ásperas, o avesso da harmonia.
Iniciou-se A Grande Fuga - Ludwig Van Beethoven.
L.A