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terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

PAR OU ÍMPAR

A primeira vez que vi Alice Hartmann eu tinha pouco mais que seis anos. Chovia muito e o vento açoitava as janelas do casarão da Geremário Dantas. Encolhida atrás da porta só percebi sua presença quando a mão me foi estendida. Nunca mais tive medo de casarões desabitados e noites de chuvas. Aprendi a contar histórias, sempre digo, devido a uma infância repleta de tardes vazias. Hoje sei que era ela quem as contava. Eu repassava todas: - prodigiosa imaginação, diziam. Alice Von Hartmann é uma senhorinha. Saia comprida e um coque que as mulheres já não usam. Sabedoria que só as avós possuem. Nem sempre aparentou este ar de nobreza alemã: mesmo em corpo franzino e tamanco nos pés , portava um feixe de lenha com elegância. Por trás de todas as camponesas que viveu , estava sempre presente uma dignidade conquistada. Alice filtrava em suas vidas as melhores qualidades do espírito. _ Tenho dúzias de coelhos assustados como você. _ Como cuida de todos? _ Um dia você vai entender. Começo a entender aos poucos o mecanismo dos dias. Quantas vezes a esqueci no casarão da Geremário Dantas e diante de decisões importantes pensei em dar um passo atrás. Sua respiração sobre meus ombros, faz-me lembrar que sou forte. Às vezes, o sinal fecha e reporto-me a ela. _ Preocupada? _Muito. _ Você já teve problemas muito mais sérios. O sinal abre e a esqueço, mas a coragem me segue. A vida é um livro em branco, história escrita ao vivo e a cores. A caixa do correio pode ter surpresas. Luísa Ataíde