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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

VITRAIS - em reconstrução

BARX

Levei André para conhecer o mar. Batia as mãos na água e molhou-me o rosto. As aves iniciavam lentamente o voo. Luci, sabíamos, retornaria em pouco tempo. O menino encostou o rosto no líquido salgado e não gostou do sabor.
Da praia, podia ver Arpy na varanda da casa entre pincéis e madeiras. As mulheres separavam as fibras sobre os teares , os meninos corriam. Uma ave deslizou raso sobre a água e passou entre nós.
Luísa Ataíde
( Memórias de Sara M. - Do conto: Barx, escrito em 1976, prêmio revista Tema, outubro 1980. Recebi , de volta, o manuscrito do conto este final de semana. Agradecimentos à Rosalina Jacintho)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009


Os olhos dos outros são prisões, seus pensamentos nossas celas.
Virgínia Woolf

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O ESTRANGEIRO




Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo o entendimento.
Clarice Lispector


Sempre que anoitecia o homem sentava-se à mureta e observava. Olhava as pessoas  e a pressa que elas tinham. Morava sozinho na última casa da rua e achava a noite grande e o silêncio que ela emitia parecia jogar-se em direção a ele. Por isso e tão somente saía à noite. As paredes , em demasia , arrastavam pequenos sons . O homem olhava em volta: o banco, o espelho , o fogão. Todos queriam falar ao mesmo tempo e antes que tivesse que responder alguma coisa , vestia o casaco e ia. Lá fora as pessoas aceleravam em direção às portas e entravam nos prédios como galinhas de volta ao ninho, estupidamente sonâmbulas:-comandadas apenas pelo arrastar das horas. Da mureta o homem observava. Olhava os próprios pés e mãos e certificava-se que eram  ainda prolongamentos do corpo. Melhor são as flores, pensava. Ele trabalhava no jardim de um grande prédio no centro da cidade , cuidava do lago e erguia os canteiros. Conversava com as plantas , horas a fio , e elas respondiam num trocar de idéias sem fim. As pessoas olhavam o homem murmurando e quase todas riam. Nunca entendia o riso e ,às vezes, arriscava-se perguntar o que estava acontecendo Recebia o silêncio. Sendo assim não lhe restava nada mais que a companhia das plantas. Era um jardineiro plenamente feliz com seu ofício. Na hora do almoço, entrava na biblioteca do prédio e folheava os livros de Botânica Olhava as fotografias e perdia-se no labirinto de flores multicores e nomes indecifráveis. Em casa, à noite, as paredes tentavam conversar porque sabiam que ele dominava idiomas raros.

Sempre que amanhecia ele pulava da cama e em poucos minutos estava na rua. Antes de fechar a porta olhava as paredes da sala e não negava-lhes resposta ao aceno de: -Tenha um bom dia!
Quando chegava ao trabalho , cumprimentava o porteiro que nunca respondia. O homem olhava mais uma vez as mãos e os pés para ter certeza que ainda eram seus. Sua invisibilidade o angustiava e esforçava- se por um "Bom dia" mais sonoro: inútil . Retornava, então, às flores.

Sempre que anoitecia sentava-se na mureta da rua e observava. Observava os outros homens que não conhecia e os que caminhavam , lá do começo da rua. Não sabia seus nomes nem suas histórias. Todos eram estranhos entre si. Temiam-se quando distraidamente tocavam-se e guardavam as mãos dentro dos bolsos. Com o passar do tempo como as pessoas não lhe dirigiam a palavra , restava-lhe apenas decifrar a a linguagem das folhas e flores . Respondia às indagações das paredes e com o tempo de todos os objetos da casa. O orgulho dos homens, pensava, é como a imobilidade das pedras: inútil e grande.

Havia as cores das flores: o burburinho que elas faziam quando ele chegava pela manhã e a cantoria de despedida no fim da tarde. Dizia adeus às pedras, devolvia-lhes o aceno.
_Vem trabalhar amanhã? Soou o grito perto do muro. Era uma borboleta pousada sobre o portão de saída.
_ Não entendi  o que você falou, mas amanhã prometo que conversaremos ! Despediu sorrindo.
Desceu os degraus e caminhou em direção ao ônibus no final da rua. Misturou-se a multidão feita de desconfiança e silêncio. O homem era só um ponto no rio de pernas descendo a avenida.
L.A

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Anassilábico




Construo os dias sobre placas de silêncio

sábado, 12 de setembro de 2009

O BEM DO BEM


LUIZ MARTINS DA SILVA


Do jeito que a vida gosta,

Nem sempre gostamos nós,

Mas nós gostamos da vida,

Mesmo desatando nós.


Do jeito que quer a vida

É sina por se cumprir,

Mas a própria vida ensina

Só vai quem sabe aonde ir.


De nada a rosa dos ventos

Vale se não se tem o Norte;

Muda o rumo fica a sorte,

Talismã de marinheiro.


A vida parece o tempo

E o tempo perece a vida,

Mas aparências enganam

Sobre o tamanho da lida.


Uns, chegam e já vão embora,

Mal a infância acordou.

Outros, a rosa murcham

De tanto que demorou.


Mas a semente é a mesma

E a colheita também.

E como a safra é sortida

Quando se quer muito e bem.


Querer bem são só três letras,

Mas duplo sentido a palavra:

Escrever o bem com minúscula

É só o lado chão da parábola.


Querer o Bem com maiúscula

É amar no incondicional;

É o que importa mesmo quando

Chuva pouca e frio igual.


Um dia na vida a mais,

Ou mais um ano na vida,

O lado que diminui

Perdura para onde vai.


O lado que o vento sopra

No catavento é o outro.

É só uma questão de medida,

Medir-se a vida nas horas.


Vida e sorte, dois ponteiros,

Visível é só o que gira;

O visível ao olho atento

Mostra o relógio por dentro.


Bem sabe o Senhor do tempo,

Quando nos sonha e acalanta,

Que o que parece partícula

É o bem que o Bem empresta.


Há que se prestar atenção,

Quando o tempo vira Signo,

Quando menos, Sim é Não;

Quando mais, pão é o trigo.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

EUTIMIA


"O objeto de tuas aspirações é, aliás, uma grande e enorme coisa, e bem próximo de ser divina, pois que é a ausência da inquietação". Sêneca

São seis horas, a tarde entrega o bastão à noite

e o homem sobre a corda segura a barra de ferro.

A corda balança entre os dois prédios e o rush soletra sua agonia.

Massa de homens e carros sob seus pés.

O prato direito da barra pende levemente

e o equilibrista oscila ao vento.

O verbo é serenar.

Conjugue-o ou todos os ímpetos selvagens
que estão entre o acordar e o sono se reerguerão.

As garras do tigre arranharão as costas ,os dentes do cão abocanharão as pernas,

a asa da ave fará cócegas na orelha.

A pulga do gato?

Está ali do lado direito do umbigo
e gritará sua presença escandalosamente.
Serenai.
L.A