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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

MEL PARA FORMIGAS

Se você quando jovem teve a sorte de viver em Paris,
então a lembrança o acompanhará pelo resto da vida,
onde quer que você esteja, porque Paris é uma festa ambulante.
Ernesto Hemingway , do livro Paris é uma festa



Os Plátanos outonais que forram as praças que cercam a Champs Élysées nas manhãs de setembro são um tapete de folhas siennas que estalam sob os pés. Em que cidade as praças são douradas e as cúpulas e portões das catedrais nos gritam uma realeza que conhecemos apenas dos contos de Grimm. Estamos em Paris, a babel turística do mundo. Como distinguir um cidadão parisiense que vai para o trabalho, nos milhares de casacos escuros e botas de salto fino. Para nós, brasileiros em férias, eles representam a elegância de ser. Para eles, talvez leiamos a sorte por algumas moedas, talvez esbanjemos ouro. Na verdade somos a essência da mistura. Nem brancos nem negros, nem ricos nem pobres, e dizem que estamos na contramão econômica do mundo. Não que tenhamos tesouros, na verdade nosso grande segredo é o riso. O ruidoso riso de grupos de pessoas misturados à discrição e polidez de uma cidade. Senti isto, no trem que nos levava a Versalhes. Um grupo de músicos, não sei a nacionalidade, tocava instrumentos de sopro e corda, o que alegrava a viagem. Há quanto tempo eu não ouvia:

Ai, ai, ai.. ai.... está chegando a hora... o dia já vem raiando meu bem eu tenho que ir embora...

Cantamos como um grupo  colegial em férias. Provavelmente, pensei, enquanto o trem avançava: no Brasil, conhecemos a versão em português do folclore do mundo. Na verdade, descobri depois que  esta alegria melodiosa que dava a viagem um ritmo de infância festiva vem do México. Concluí na minha lógica latina que além das moedas ao chapéu estendido, poderíamos em agradecimento sorrir. De muitos passageiros do trem, os músicos não receberam uma moeda, um sorriso, um olhar.

Volto minhas recordações a esses dias em Paris. Nós nunca esqueceremos os jardins perfeitos em delicadeza e cores. O Grand e o Petit Palais, os corredores majestosos do Louvre. Nós nunca esqueceremos a elegância dos franceses e nossa estupefação à moça que pega o dinheiro e com a mesma mão escolhe o pão que nos entrega, sem lavá-las, sem a proteção de um guardanapo. Nós nunca esqueceremos as lojas cheias e os perfumes esplendorosos. O torcer do nariz quando eles percebem que você fala  francês com sotaque e a delícia que é jantar queijo e vinho na terra de Luis XV.

Estima-se que quinhentos mil brasileiros visitem Paris todos os anos. Por semanas deixamos nossas vidas  e atravessamos o oceano. Oxalá, a nossa simpatia e alegria contaminem as ruas históricas da capital turística do mundo. Que possamos compartilhar o que aprendemos nesses quinhentos anos de existência: superar as adversidades, e como dizemos  aqui: não desistir nunca. Ensinar e aprender fundem-se em compartilhar. Eis o verbo que resume a sabedoria da modernidade.

Luísa Ataíde

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

SONATA PARA INSÔNIA

 
Luiz Martins da Silva
I

Sete notas musicais,
Sustenidos e bemóis.
Nos ouvidos são átomos,
De passados atonais.

II

A ânsia melódica da chuva
Soa na madrugada inventada.
Quem a compôs monocórdia,
Mas de tão doce, lavada?

III

Solfejo de uma nota só,
Tão somente si e si,
Ou se algum perdido dó
De brisa toca no vidro...

IV

Percussão de xilofone,
Assovio de cupido,
Cri-cris de grilos conspícuos,
Vozes em pingos, alaridos.

V

Alaúde, bojo mudo,
Toque de caixa hermética,
Fofas notas sobre folhas,
Já salivação de húmus.

VI

Esgueiram-se gueixas esguias,
Salientes lascivas lesmas,
A sair lambendo laivos,
Agora, que o tempo deixa.

VII

Eu, ainda sonho de nuvem,
Nego a antevéspera do estrume.
Mas, cismo, um dia túmulo,
Regado a saudades muxoxas.