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terça-feira, 19 de março de 2013

A PIPA E O TEMPO



LUIZ MARTINS DA SILVA


A pipa, empinada é mais que  o pássaro,
Pois não avoa a ave acima do Sol:
Contra o olho, a pino,
O primor, prumo, rabiola e cerol.

O menino e a pipa aos céus,
São mais que arcanjos,
Pois mesmo não lhes sendo as asas,
Igualam-se em sonhos , alados querubins.

O menino avia, envia a pipa,
Como quem dá espinha ao peixe,
Para que tenha estrutura, navegue, flutue,
Sobrevoe o vago, alto mar, altivo.

Em breve o menino; a tarde; o orvalho...
O inquieto sopro da vida, a liberdade...
Enquanto a infância, não a leve o vento,
Não lhe cesse a brisa, tão logo ao trabalho.

domingo, 10 de março de 2013

TODAS AS VIDAS




Cora Coralina

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pro fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.

(Histórias das ruas e becos de Goiás)