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sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Sobre Tempo e Jabuticabas (TEMPO DOS MADUROS)























RICARDO GONDIN


Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalômanos. Já não tenho tempo para conversas intermináveis para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral. Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado de Deus. Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.
O essencial faz a vida valer a pena !Basta o essencial!

sábado, 16 de agosto de 2008

Nas Trevas



...Meu triste filho, passas vagabundo
por sobre um grande mar, calmo, profundo,
sem bússola, sem norte, sem farol.

Nem gozo, nem paixão te altera a vida!
Eu choro sem remédio a luz perdida...
Bem mais feliz és tu, que vês o sol.

Camilo C. Branco. ( 1825- 1890)
( fotografia- Selo Famalicão

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O Livro dos Prazeres






















"Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a cada dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustoso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela -apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco,eu beijo o seu focinho.Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome,ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e ai. Aviso tambem que nao se deve temer seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera. A gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez."

Clarice Lispector- Uma aprendizagem, ou o Livro dos prazeres
Óleo sobre tela- Sadiq Toma ( Pintor iraniano)

domingo, 3 de agosto de 2008

PASSA UMA BORBOLETA

Óleo sobre tela - Luis BAdosa


Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta
No movimento da borboleta o movimento é que se move.
O perfume é que tem perfume no perfume da flor
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.

Fernando Pessoa

Entre a luz e a Sombra

Foto:Valdirene Soares - Cadeia da Relação- Porto, PT


Às vezes, vejo as fotografias impressas na parede da casa

Foto em preto e branco

Sem foco

Feito neblina de inverno

L.A

AS HORAS - conto



"Tenho certeza de que estou enlouquecendo de novo. Sinto que não podemos passar por outra daquelas terríveis fases, e desta vez não ficarei curada. Começo a ouvir vozes, e não posso me concentrar. ..” (Trecho da última carta de Virgínia Woolf)

Atrás da porta, no final do corredor, abre-se a plantação de crisântemos escuros. Entre os canteiros todos os objetos de corte.
 Empilhadas no fim do muro estão as armas de fogo, revólveres de canos curtos e velhas espingardas. Pedras empilham-se do lado esquerdo da cerca, e atrás do milharal em flor estão os sacos umedecidos de veneno. A porta está fechada e perdeu-se a chave.
 A menina de pés descalços corre pela casa em busca do que possa abrir a porta.Todos estão lá fora à entrada da casa.
 Uns vestem seus antigos casacos, outros tremem ao vento que desalinha -lhes os cabelos. São homens velhos, alguns meninos.
Há mulheres, sim muitas mulheres. Algumas torcem incessantemente a ponta do cabelo. É noite, por sorte há lua. Estão em fila única e alguns descansam a mala ao lado esquerdo do pé.
 Há livros de folhas amareladas dentro das malas. Há rios de água escura dentro delas , fumaças de tiros ainda vagueiam e na última, a menor de todas - o Bolo de Chocolate. Bolo ainda quente do forno. Em volta : a sombra azul do gás. Pode -se ver as cordas balançando sobre as cabeças.
 No fim da fila, o abismo e inadvertidamente a queda é para cima.
 A todo o momento alguém cai do abismo e se torna o último da fila. A mulher , a última, tem parte do cabelo preso e a pedra ainda enrolada no vestido. Um dos pés está descalço e pingos em volta da barra da saia sangram lágrimas sobre o piso. 
Antes de cruzar a porta , ouve seu nome.
Volta a cabeça lentamente.

Luisa ataide

nota: No dia 28 de março de 1941, Virgínia Woolf suicidou-se. Ela vestiu um casaco , encheu seus bolsos com pedras e entrou nas águas do Rio Ouse, afogando-se. Seu corpo só foi encontrado no dia 18 de abril. Fonte : Wikipédia