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domingo, 26 de abril de 2009

Novo Santo Português

Nuno Álvares (1360-1431)


S. NUNO DE SANTA MARIA

Canonização em 26.04.2009

«Tinha em mente agradar mais a Deus mantendo a virgindade. Narram as histórias de Galaaz e de outros cavaleiros imortais que a virgindade os fazia comungar da perfeição distante mas alcançável.»
Teresa Bernardino - Eu, Nuno Álvares (romance), p.31.

A história de S. Nuno em: http://www.harmoniadomundo.net/

A MENSAGEIRA DAS VIOLETAS


Florbela Espanca


... E os meus olhos serenos enigmáticos
Meninos que na estrada andam perdidos
Dolorosos tristíssimos , estáticos
São letras de poemas, nunca lidos.
As magnólias abertas dos meus dedos
São mistérios , são filtros, são enredos
Que pecados d'amor, trazem de rastros...
E a minha boca a rútila manhã
Na via Láctea, lírica, pagã
A sorrir desfolha as pétalas dos astros!...

Imagem Virginia Henriques

domingo, 19 de abril de 2009

Rio de sombras



Não sei pintar flores
Só rios que escorrem tinta pela sala
Não sei fazer versos
Bebo a sonoridade e espelho-me em suas águas
Leio livros antigos
A correnteza arrasta pelo quarto os fragmentos das vidas.
Aprendo histórias reais e imagino muitas
Ana de Holanda foi mulher, demônio ou santa?
Lavo o sangue da sala do rio dos mortos
È vermelho-cádmio no molho dos pincéis no copo.
Não sei pintar flores
Por favor , perdoe, sei pintar céus lindos.
Acredite
decifro destinos em estrelas
Vejo rostos em paredes brancas .
São homens velhos, chapéus e barbas
São serenos e belos
sussuram-me textos comoventes
Decididamente
Não sei pintar flores
Só rios que escorrem tinta pela sala.

L.A

quarta-feira, 8 de abril de 2009

SINAIS DE OUTONO



Foto: George Grie

"...Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país"
Chico Buarque


Algumas noites me dão rostos e histórias
Como rios inundam casas e memórias
Como vozes me seguem sem dizer.
Mudos e invisíveis como o vento
Velozes , improváveis como o tempo.
As histórias são palavras inaudíveis
Nelas há lágrimas e cartas nas gavetas
Há canções com perfumes de jasmins.
Se acercam da cama e me velam
Pacientes observam o meu sono
Interferem nas imagens que vislumbro
Pedem vida nas histórias que me contam.
Entre as folhas amareladas do que sonho
Apontam o dedo para o fim que escreverei.

L.A

LILÁS SOBRE AZUL- conto




- Ó Poseidon, grande deus do mar! Dê um sinal de sua proteção. Faça surgir das águas um Touro branco e eu o oferecerei em sacrifício!

Eis então que avançou calmamente das espumas brancas o animal.
A mulher caminha alguns passos e entra no espaço que lhe parece uma sala. O teto é irregular e escuro e vai caindo em curva até encontrar o chão. Ouve barulho de água. Conta oito homens em semicírculo à sua espera. Um deles aproxima - se . Um prato lhe é estendido, ela afasta-o com decisão:
- Por favor, responda-nos - Como você pretende atravessar o mar?
- A nado,diz a mulher.
- São milhares de milhas até a costa.
- Eu não possuo barco e também não vejo o mar.
- Está à esquerda depois das pedras, na linha dos ombros.
Sob a penumbra da sala, a mulher faz meio giro e vê o muro de pedras. Ouve longe o vai e vem das ondas.
Todos maravilharam-se do poder de Minos diante de Poseidon e curvaram-se ao novo rei da ilha de Creta. Minos olhou aquele animal tão bonito e não cumpriu sua promessa.Procurou em seu rebanho um touro qualquer e o ofereceu ao deus das águas salgadas.
Um dos homens aponta à mulher no canto da sala o par de asas encostado à parede:
- As penas foram recolhidas do oceano.È um presente.
No fundo do mar, Poseidon enfureceu-se com a traição de Minos e usando seus poderes mágicos fez sua mulher alguns meses depois dá a luz a um ser com corpo de criança e cabeça de touro. O bebê refugou o seio materno. A horrível criatura alimentava-se de carne humana. No fundo do berço, ainda em sono, descansava o Minotauro.
A mulher veste as asas ajustando-as ao corpo.
Cada um alimenta a alma com sua própria essência, diz o homem que estendera o prato. O mesmo prato lhe é novamente apresentado. Com as mãos recebe o alimento. O gosto de cinza molhada lhe inunda a boca.
- Pode ter o gosto de sua fruta preferida. Coma devagar e procure o sabor.
A mulher sente aos poucos gosto de damasco. Os olhos lagrimejam. Inspira fundo. Apóia o prato sobre a mesa. Abaixa-se e lava as mãos. O piso da sala é pedra sob água em movimento.

Minos chamou Dèdalos, o inventor. Sob suas ordens Dédalo e seu filho Ìcaro construiram a morada para o Minotauro. A prisão fora feita de corredorores sinuosos . Os desvios enganavam a razão, não havia como sair do labirinto . No centro, o único prisioneiro em sina de cego procurando em vão a luz do sol. Só os arquitetos da prisão conheciam o segredo. Minos, temendo que eles o revelassem, mandou trancá-los no Labirinto. Sabendo que os conhecedores do segredo chegariam à saída pelo mar, mandou vigiar o litoral dia e noite.
A mulher espera o sinal de partida. Recebe a primeira instrução :
- Nem tanto ao mar e nem tanto ao sol.
Dédalos não desesperou -se. Usando toda a imaginação que lhe deu o criador mandou Ìcaro trazer todas as penas de pássaro que achasse. Construiu assim dois pares de asas. Colando -as com cera disse ao filho:
- Com nossas asas, atravessaremos o mar e encontraremos refúgio em alguma parte. Mas é preciso cuidado, por isso iremos pelo meio dos ares, nem rente à água, nem junto ao sol.
Ìcaro prometeu atender os conselhos do pai, e seguiu-o. Primeiro em vôo desajeitado depois com mais confiança.
A mulher atravessa a sala e posiciona -se sobre rocha firme. Sente o vento cruzar a ponta do nariz e espera o momento. Cruzará o oceano em vôo solitário. Não sabe quando encontrará terra firme e que paisagem a espera.

O céu é vasto, silencioso, calmo e profundamente azul. O gosto de damasco sobre a língua lhe serena a alma. Observa o imenso vazio entre o mar e a pedra sob os pés, e ouve a ordem às suas costas:
- VAI !
Ìcaro embriagou-se no prazer do vôo e lançou-se às alturas. Subiu mais e mais e aproximou-se do sol. As penas aos poucos soltaram -se e a queda tornou-se pedra arremessada na escuridão do Oceano.
A mulher abre os braços ao vento. Os lábios tremem, os olhos fixam um ponto à frente. Os cabelos abrem sua horizontalidade à brisa. O céu recebe o corpo e o protege.
Novo par de asas está encostado à parede. Os homens chegam à saída da gruta. O ponto dissolve-se aos poucos como fumaça no azul do céu. A água doce corre entre as pedras e mistura-se ao mar.

L.A ( mulher sobre a pedra- image by Steven Kenny)