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domingo, 28 de dezembro de 2008

POEMA DOS ÚLTIMOS DIAS

"Quando o sol vai caindo sobre as águas
Num nervoso delíquio d’oiro intenso,
Donde vem essa voz cheia de mágoas
Com que falas à terra, ó mar imenso?..." _ ( Florbela Espanca, Vozes do Mar)


Em toda praia há cardumes
Não é possível ver os peixes entre corais iluminados
Só o cheiro acre dos restos na areia.
Em todo poeta há um verso inacabado
Destes que habitam o pensamento
Moram atravessados entre os dentes .
Temo pelos meninos que chegam ao mundo
Sem pipa, passaraio e bola de gude.
Temo pelos dias que chegarão em caixas
Fechados, sem códigos ou chaves.
Sonhei com um dia claro
Um jardim pontilhado de colunas
Água e flores entre elas .
Meus três filhos cantavam no meio das águas
Seus rostos brancos como cera
Seguravam entre as mãos a lucidez perdida.
Vim ao mundo para atravessá-los
Sem bote nem salva-vidas
Só os quatro e o arrastar das águas.
O barulho das ondas mescla-se com o vento e canta fino como um lamento .
São as vozes dos anjos , dos meninos e dos peixes
Puxo-lhes os pés gelados, seguro-os pelos braços.
Há luz na praia, uma fogueira acesa .
Em toda areia florescem cardumes de rosas
Corais de magnólias e perfumes de jasmins.
Há versos e flores entre cabelos
Canções de infância e dias azuis
amarelos, verdes, brancos, infinitamente brancos.

Luísa Ataíde

sábado, 27 de dezembro de 2008

PASSATEMPO




Teoria de passatempo,
Para quando passa o ano,
É buscar no isolamento
Passar a limpo uma agenda.

Aponto os amigos velhos
Que se foram do calendário?
Escrevo velhos amigos
Que fogem do abecedário?

Uns, de volta à de solteiro;
Outros, de novo casados.
Uns, não mudam de endereço;
Outros, conforme o salário.

Tens minha agenda lugar,
Para um tipo de inquilino,
Presente quando é calor,
Mas no frio dobra esquina?

Pessoas há de passagem,
Cartão de visita dobrado,
Mas são sorrisos de ontem,
Amanhã, noutra paisagem.

Fiéis amigos de uma vida,
Numa agenda de papel,
São letras de eterna escrita
Sagrada num livro do Céu.
LUIZ MARTINS

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

PLENA MULHER


Plena mulher, maçã carnal, lua quente,
espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,
que obscura claridade se abre entre tuas colunas?
que antiga noite o homem toca com seus sentidos?
Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:
amar é um combate de relâmpagos e dois corpos
por um só mel derrotados...
.
PLABO NERUDA

sábado, 6 de dezembro de 2008

DE NOVO , O NATAL

Galeries Lafayette- Paris
    "Se queremos um mundo de paz e de justiça temos que pôr decididamente a inteligência a serviço do amor." (Antoine de Saint-Exupéry)
Para uns o Natal tem gosto de infância
Papel colorido embrulha sorrisos.
Para as mães é família
Barulho de gente, risadas borbulham em volta da mesa.
Para outros é sopro por entre os cabelos
Que leva os cachos dourados dos anjos
Prá dentro das almas de todos os homens.
A legião de sofridos, agora meninos
Espalham-se nas nuvens
Balançam felizes os sinos da igreja
Arrastam-se nos vidros dos arranha-céus.
As mães, da cozinha, se assustam e gritam:
− Devolvam os meninos, porque é Natal!
Natalino, o Espírito, é pura bondade
Retira das almas dos homens os cachos dourados
Espalha em guirlandas* nas portas das casas.
Os meninos embrulham presentes em papéis coloridos
Abrem as portas para todos os outros entrarem.
As mãos misturam-se em volta da mesa
Agradecem, afagam, de novo é Natal.
L.A
Dez//2008

domingo, 30 de novembro de 2008

ÉRICO SANTOS e sua perspectiva cromática
















"A pintura de Érico Santos se constrói sobre uma das inovações artísticas mais interessantes e férteis da história do mundo ocidental, a sugestão, que aparece com Giotto e Van Eyck no século XIV, embora tenha existido, alguns séculos antes, na China. Basicamente, ela consiste em apresentar um aspecto parcial da realidade ou dos fatos, na suposição de que a memória e a imaginação do espectador consigam, de acordo com o próprio repositório de lembranças e a inventividade pessoal, completar, e até ampliar, o tema proposto. Observemos uma das telas de Érico: ele não nos dá a imagem integral, retiniana. Ele nos dá uma espécie de leit-motiv óptico, um gatilho deflagrador. Para quem vê, trata-se quase de uma "imagem desfocada". Não se vêem os detalhes na tela, mas apenas grupos de detalhes, uma figura geral. Em síntese, Érico não se interessa pela reprodução da cena exterior, mas por uma re-produção imagética, que conta com a adesão do mundo mental, sobretudo do mundo imaginativo do contemplador "- Armindo Trevisan


Tudo sobre o pintor em http://www.ericosantos.com.br/

sábado, 29 de novembro de 2008

ATRÁS DO PENSAMENTO




















Atrás do pensamento tem uma cidade
Ruas de pedras
Luz de lamparina.
Tem um homem velho que tece fios intermináveis
E limpa as remelas dos olhos de
quando em vez.
Atrás do pensamento tem um pássaro pousado sobre o muro
Que olha em volta e procura.
Um sino toca sempre de hora em hora .
No meio da rua de pedras
A mulher dança de pés no chão e vestido negro
Sob os cabelos dúzias de devaneios.
Toma sopros de vidros entre os dedos e os joga no ar.
Atrás da mulher tem um tocador de BumboRetumba compassadamente e espanta o pássaro.
Atrás do pensamento
Tem uma cidade
Ruas de pedras
Um muro vazio.
O homem , sob a lamparina lacrimeja de hora em hora
E a mulher ?
Cobre os ouvidos e
Dorme sobre as pedras.

L.A

Óleo sobre tela Steven Kenny - quer ir além?, ckick em


quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O PODER DAS PALAVRAS



“Se me disseres que me amas, acreditarei.
Mas se escreveres que me amas,
Acreditarei ainda mais.
Se me falares de saudade, entenderei.
Mas se escreveres sobre ela,
eu a sentirei junto contigo.
Se a tristeza vier a te consumir e me contares,
Eu saberei.
Mas se a descreveres no papel,
o seu peso será menor.”
…e assim são as palavras escritas:
possuem um magnetismo especial,
libertam, acalentam, invocam emoções.
Elas possuem a capacidade de, em poucos minutos,
cruzar mares, saltar montanhas,
atravessar desertos intocáveis.
Muitas vezes, infelizmente, perde-se o autor,
mas a mensagem sobrevive ao tempo,
atravessando séculos e gerações.
Elas marcam um momento
que será eternamente revivido
por todos aqueles que a lerem.
Viva o amor com palavras faladas e escritas.
Mate saudades, peça perdão, aproxime-se.
Recupere o tempo perdido, insinue-se
Use a palavra a todo o instante,
de todas as maneiras.
Sua força é imensurável.
Lembre-se sempre do poder das palavras.
“Quem escreve constrói um castelo,
E quem lê passa a habitá-lo”

Texto de autor desconhecido, do blog de Suzana Duboc : eclipse com amor
( enviado por Ana Faleiros)

sábado, 15 de novembro de 2008

O AMOR BRASILEIRO POR PESSOA




Documentário feito em Portugal eleito um dos melhores do ano no Brasil "O amor brasileiro por Pessoa" vai marcar a exibição, pela primeira vez em Portugal, do documentário em três partes O Poeta Fingidor. Realizado pela GloboNews em Outubro de 2007 em Lisboa, foi transmitido no Brasil por ocasião dos 120 anos do maior poeta português do século XX. O evento vai contará com o grupo de teatro do Chapitô – com os actores a realizar pequenas “performances” tendo por tema as obras e os heterónimos de Pessoa, assim como a internacionalização dos seus escritos, no âmbito do Ano Europeu do Diálogo Intercultural.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O ENCANTADO

ÓLEO SOBRE TELA- Luisa Ataide (releitura de imagem da web)

domingo, 9 de novembro de 2008

REINSURGÊNCIAS


Sagrou-te e foste desvendando a espuma
Fernando Pessoa / “O Infante”


Passada a bruma, agora, já quase por inteira
Eis-me de volta ao bravo areal da praia morena,
Rejuntando de novo a quilha aos olhos do Restelo,
Reconstruindo feito louco vadio novos castelos,
Pois não são de devaneios que a vida mais se amena?
E acaso não é de vida que mais entende o nevoeiro?

Luiz Martins da Silva - poeta, jornalista e professor da Faculdade de Comunicação da UNB

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

terça-feira, 21 de outubro de 2008

AUTOPSICOGRAFIA

Pintura de José de Almada Negreiros


O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve
Na dor lida sentem bem
Não as duas que ele teve
Mas só a que ele não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

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domingo, 12 de outubro de 2008

Biblioteca Nacional de Portugal


Entregue em 30.09.2008 à Biblioteca Nacional de Portugal , em solenidade pública de assinatura do termo de doação, na presença do Diretor da BNP, Dr. Jorge Couto, um dos raros exemplares do livro Herança de Lágrimas ( 1ª edição) da escritora oitocentista portuguesa Ana Augusta Plácido, esposa do Romancista Camillo Castello Branco.O livro adquirido de um camelô na rua da Lapa, no Rio de Janeiro, foi editado em 1871, edição limitada , com poucos exemplares . Na oportunidade foi entregue ao acervo da Biblioteca , também, um exemplar da Antologia de Poesias, Contos e Crônicas do Prêmio Literário Rachel de Queiroz , cuja premiaçãp monetária dada à poesia Memórias Brancas, inspirada na escritora Ana Plácido, facilitou-me a ida a Portugal para entrega do exemplar . Não se pode deixar de mencionar a Mostra Evocativa do acervo literário de Machado de Assis no Hall de entrada da BNP. Visitada a exposição documentária em sala climatizada de documentos do Arquivo Nacional e a história Luso-Brasileira . A portuguesa, Luisa Gama , doutoranda em assuntos de história brasileira deu aos presentes uma aula encantadora sobre o nascimento e desenvolvimento do Brasil colonial.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Dança ao Vento


A solidão é menina ainda
Esburaca a estrada, esfria a noite e embaralha os dias
Faz da vontade um sono profundo.
A solidão já é moça feita
Tece as manhãs num tear imenso
Faz do sorriso um longo gemido.
A solidão é mulher bem velha
Mistura o tempo num baralho antigo
Faz teus pés ;cansados e da brisa mansa um vendaval no rio.
Mas se olhares lá fora o dia
Verás criança a cantar ciranda.
Se deres à moça um pacote de fita e à mulher velha um abraço amigo
Verás que os dias são canções ao vento
Que a noite é morna, que amanhece e que o sol já brilha.
Faz da solidão uma janela aberta, cheia de vasos de margaridas
Limpa a varanda, afasta as cadeiras
Tira pra dançar a menina , a moça e a velha senhora.
L.A ( sopro ao ouvido)

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

AFLUÊNCIA












O mar , asseguram os poetas,
guarda segredos dos rios
Estes em obediência cega
Entregam-se a sua imensidão.

Luisa Ataide

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Sobre Tempo e Jabuticabas (TEMPO DOS MADUROS)























RICARDO GONDIN


Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalômanos. Já não tenho tempo para conversas intermináveis para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral. Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado de Deus. Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.
O essencial faz a vida valer a pena !Basta o essencial!

sábado, 16 de agosto de 2008

Nas Trevas



...Meu triste filho, passas vagabundo
por sobre um grande mar, calmo, profundo,
sem bússola, sem norte, sem farol.

Nem gozo, nem paixão te altera a vida!
Eu choro sem remédio a luz perdida...
Bem mais feliz és tu, que vês o sol.

Camilo C. Branco. ( 1825- 1890)
( fotografia- Selo Famalicão

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O Livro dos Prazeres






















"Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a cada dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustoso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela -apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco,eu beijo o seu focinho.Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome,ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e ai. Aviso tambem que nao se deve temer seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera. A gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez."

Clarice Lispector- Uma aprendizagem, ou o Livro dos prazeres
Óleo sobre tela- Sadiq Toma ( Pintor iraniano)

domingo, 3 de agosto de 2008

PASSA UMA BORBOLETA

Óleo sobre tela - Luis BAdosa


Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta
No movimento da borboleta o movimento é que se move.
O perfume é que tem perfume no perfume da flor
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.

Fernando Pessoa

Entre a luz e a Sombra

Foto:Valdirene Soares - Cadeia da Relação- Porto, PT


Às vezes, vejo as fotografias impressas na parede da casa

Foto em preto e branco

Sem foco

Feito neblina de inverno

L.A

AS HORAS - conto



"Tenho certeza de que estou enlouquecendo de novo. Sinto que não podemos passar por outra daquelas terríveis fases, e desta vez não ficarei curada. Começo a ouvir vozes, e não posso me concentrar. ..” (Trecho da última carta de Virgínia Woolf)

Atrás da porta, no final do corredor, abre-se a plantação de crisântemos escuros. Entre os canteiros todos os objetos de corte.
 Empilhadas no fim do muro estão as armas de fogo, revólveres de canos curtos e velhas espingardas. Pedras empilham-se do lado esquerdo da cerca, e atrás do milharal em flor estão os sacos umedecidos de veneno. A porta está fechada e perdeu-se a chave.
 A menina de pés descalços corre pela casa em busca do que possa abrir a porta.Todos estão lá fora à entrada da casa.
 Uns vestem seus antigos casacos, outros tremem ao vento que desalinha -lhes os cabelos. São homens velhos, alguns meninos.
Há mulheres, sim muitas mulheres. Algumas torcem incessantemente a ponta do cabelo. É noite, por sorte há lua. Estão em fila única e alguns descansam a mala ao lado esquerdo do pé.
 Há livros de folhas amareladas dentro das malas. Há rios de água escura dentro delas , fumaças de tiros ainda vagueiam e na última, a menor de todas - o Bolo de Chocolate. Bolo ainda quente do forno. Em volta : a sombra azul do gás. Pode -se ver as cordas balançando sobre as cabeças.
 No fim da fila, o abismo e inadvertidamente a queda é para cima.
 A todo o momento alguém cai do abismo e se torna o último da fila. A mulher , a última, tem parte do cabelo preso e a pedra ainda enrolada no vestido. Um dos pés está descalço e pingos em volta da barra da saia sangram lágrimas sobre o piso. 
Antes de cruzar a porta , ouve seu nome.
Volta a cabeça lentamente.

Luisa ataide

nota: No dia 28 de março de 1941, Virgínia Woolf suicidou-se. Ela vestiu um casaco , encheu seus bolsos com pedras e entrou nas águas do Rio Ouse, afogando-se. Seu corpo só foi encontrado no dia 18 de abril. Fonte : Wikipédia