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quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

BETELGEUSE- A LUMINOSA DE ÓRION (conto)




 A constelação de Órion apresenta a forma de um quadrilátero com as Três Marias no centro. O vértice nordeste do quadrilátero é formado pela estrela avermelhada Betelgeuse, que marca o ombro direito de Órion. O vértice sudoeste do quadrilátero é formado pela estrela azulada Rigel. Betelgeuse e Rigel são as estrelas mais brilhantes da Constelação.



Houve um tempo em que a Astronomia confundia-se com a Astrologia. Os mapas findavam-se em contornos retos e as estrelas, ainda pagãs, espalhadas na vastidão noturna faziam do céu um espetáculo a quem quisesse ver. Os sacerdotes da Pérsia que não eram reis, santos ou magos, pressentiram que a grandiosidade da luz simbolizava o nascimento, em algum lugar do Oriente, do rei de todos os reinos. Conta-nos o Livro Sagrado que munidos de incenso, ouro e mirra seguiram a estrela, que parou sobre a casa onde dormia o menino-Deus. Para alguns céticos, Gaspar, Melchior e Baltazar, talvez nunca tenham empreendido a viagem até Belém e a estrela, para o Evangelista, simbolizasse a fé, assim como o ouro simbolizava a riqueza, o incenso a espiritualidade e a mirra a imortalidade. Contudo, astrônomos, posteriormente, confirmaram a presença do fenômeno luminoso, à época, embora os calendários se contradigam na precisão da data. O certo é que aquela poderia ser a estrela mais brilhante da constelação de Órion e cujo brilho para realmente ser visto, necessário faz-se que fechemos os olhos e sigamos o pulsar das batidas do coração. Uma vez misturados os sentidos, poderemos ver por todos os poros do corpo, ouvir pelo êxtase das pupilas e sentir o toque acre ou doce da pele entrar pelo centro da cabeça e escorrer como rio caudaloso por todos os órgãos do corpo.


 ESTAÇÃO DE PASSAGEM
Mintaka é uma das três entradas da Estação de Passagem a sítios mais distantes. As manhãs são envoltas em neblinas e uma chuva fina cai incessantemente e incomoda quando toca os ombros. São lágrimas das mulheres, as mães, cujas silhuetas desenhadas pela parca luminosidade, formam um círculo extenso que contorna o cinturão de Órion. Eles, por sua vez, chegam em pequenos grupos. São muito jovens e falam pouco ou quase nada. O véu do esquecimento deixou-lhes um vasto buraco negro na memória, contudo um rasgo pequeno deixa-lhes a última cena gravada, num vai e vem contínuo. Se levantarmos a ponta do véu a hipnose individual cai ao chão como pequenos cristais e a cena, antes fragmentada, ganha movimento e vida.


A moça olha para trás subitamente como se ouvisse o ruído forte de frenagem de pneus. Os olhos rendem-se ao pavor da luz do farol que avança em grande velocidade. O baque forte do encontro dos carros quebra o silêncio que havia em volta. Ela sente o corpo arremessado pra frente e cai. Os outros caminham ao redor e presos ao ímã de sua própria fatalidade, seguem em frente. Ela chora em demasia e se contorce de dor.




DEZEMBRO


Quando as luzes intermitentes do planeta anunciam a comemoração do nascimento do Cristo, as ruas vestem-se de cor e sonhos e as lojas os vendem embalados em laços coloridos. Os anjos da misericórdia sopram sobre as casas uma mistura analgésica de fraternidade, esperança e fé. Contudo, em meio ao som dos cânticos natalinos, da urgência das lojas e festas há um som abafado de dor que prende a tarja do luto como uma guirlanda negra presa à entrada das casas. De toda saudade pelas vítimas da violência urbana, dos acidentes de trânsito, das intempéries climáticas, entre as vítimas das escolhas indevidas, está o soluço forte das mães dos jovens que habitam a Constelação de Órion. Que canto lhes alegraria a alma? O que poderia interromper subitamente o punhal arremessado ao peito?

Em Mintaka, Alnilan e Alnitaka, as Três Marias do cinturão de Órion, era noite de Natal. A Estação de passagem e apoio aos jovens, que deixam bruscamente suas casas e não mais retornam, foi invadida pelo som de harpas e flautas. As vozes dos cantos gregorianos, contrariando a ordem natural da rota de mensagens, acordaram os anjos e as almas. O som veio de algum lugar do planeta, cruzou as paredes de pedras, dançou sobre planícies e rios e subiu ao céu. Os jovens chegaram às janelas dos hospitais e olharam a noite, o tabuleiro estrelado que se abria sobre suas cabeças. Os anjos trabalhadores do Cinturão de Órion ouviram o som miraculoso dos cânticos. Não havia a sombra das silhuetas no portão de entrada e a chuva fina cessara subitamente. Além da Nebulosa, além do cintilar dos pingentes de brilhantes, as mulheres dormiam. Betelgeuse, uma das luminosas da Constelação emitia seu esplendor sobre a noite escura. A estrela erguia seus raios como uma torre impera sobre um reino de beleza e luz.

Chegaram: Gaspar, Melchior e Baltazar. Um deles era tão jovem quanto os meninos de Órion. O do meio era um homem feito e o último tinha barbas brancas e uma harmonia que irradiava, quando ele olhou tudo em volta. Logo depois, chegaram as mães. Elas vinham de chinelos e roupas de dormir. Algumas traziam um rosário entre os dedos, outras apenas um livro pequeno. O canto dos monges viajava entre os ouvidos e fluía por todos os poros do corpo. Os jovens, das janelas, olhavam lá embaixo: os camelos, os sacerdotes da Pérsia e o riso das mulheres. Ali, naquele momento, era possível morrer apenas a saudade.


Primeiro eles mandaram bilhetes e cartas. Os papéis voavam das janelas e as mães corriam em direção a eles. Elas acenavam aos rostos conhecidos e riam. Um riso cristalino e farto como um rio. Os meninos desceram as escadas em direção ao redemoinho de papéis. Os três reis reconheceram a estrela que os conduzira há muitos anos, sobre mares, montanhas e desertos. Betelgeuse atravessou as fronteiras da galáxia, e o Criador envolto num novo projeto de ampliação do Universo sorriu por breve instante. Havia a chuva de pingos cintilantes, sobre os visitantes de Órion.


Luísa Ataíde

domingo, 4 de dezembro de 2011

ELEGIA DOS SINOS


LUIZ MARTINS

Os sinos, porque se dobram,
No bronze de nossas vidas,
Nas bênçãos de nossas sinas,
Nas ondas de nossas auras,


Quando soam, soam bem,
Para o bem de nossas almas.
E aos aldeões, bem mais calmos,
Emendam salmos: amém, amém.




Sinos, campainhas, chocalhos...
Tantos badalos ecoam,
E logo os céus nos perdoam
Do quanto fomos daninhos.


Mesmo que assustem andorinhas
E os pombos dos torreões
Que sempre repiquem os sinos
Ao fundo dos corações.