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sábado, 28 de abril de 2012

EXTREMA FIDELIDADE (Mini conto)



                              Dedicado a Armando José ( Um amigo querido)



Tente acompanhar   agora o ruído do relógio, não há como evitar que os ponteiros caminhem,   mas vem o dia que, por se ter provado o fruto, a gente se descobre nu. Mas há os antes e foram estes:

Era o seu quinto aniversário. O ruído da louça e o cheiro de   bolo  trouxeram-no à cozinha. Expiou e por detrás da cortina. Puxaram-no.   Vieram as ordens: Tomar banho, lavar as orelhas, cortar as unhas. Não   suje a roupa. Senta aqui. Ah, tira a mão do bolo!

− Como você está bonito!

Chegaram os tios,  os primos. Veio aquele presente   comprido, outros pacotes. Ah, aquele presente enorme... aquele presente.   O tio abriu-o bem debaixo do seu nariz:

−     Cuide dele, não deixe ninguém riscar.

Era um espelho. Sobre ele uma gravura chinesa. O menino   passou a ser parte da gravura. Vieram os parabéns, o sopro, os abraços. O   menino na gravura, grudado nela. O espelho colocado no canto da sala   refletia seus olhos grandes. Duplicou a música, triplicou os balões,   eternizou o “Viva!”

−     Cuide bem dele.

O dia seguinte acordou-o cedo. Correu à sala. Rastros de   bolos no espelho.Não viu. A gravura quase branca sobre o vidro era tão...Viu-as. Moscas passeavam tranquilamente por seu território.  Refletiam as patas sobre o desenho claro. O guardião do templo saiu à   porta, olhou os campos. A respiração foi freando, freando, muitas vezes.   Desceu-lhe o suor dos grandes guerreiros. Correu à porta da cozinha,   puxou a vassoura. Ergueu sua espada por sobre a cabeça e disparou de   volta. Antecipando toda a força do homem que um dia haveria de ser,   arremessou-a em direcção ao inimigo.

O barulho dos cacos acordou a casa, o barulho da casa   sacudiu-lhe os ombros.

Luísa Ataíde

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