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sábado, 20 de setembro de 2025

BRUXO OU ALQUIMISTA?


         


         Algumas pessoas chegam a esse mundo fora da caixinha e constroem espaços inimagináveis. Assim, em 1936, foi HERMETO PASCOAL . Tudo para aquele menino estrábico e albino era o ato de ouvir. Ouvir e observar. Desse  detalhe assimilava os sons do rio, dos pássaros, de tudo que se movia ou não. O que lhe chegasse as mãos, ele transformava em sonoridade. Ensinou isso ao mundo. A nós, os outros,  só cabia  admirar, nos admirar e usufruir. Para um menino, predestinado a ressonar o corpóreo e o que também não fosse, encontrar entre os pertences do pai um velho acordeon, foi o cumprimento do legado que  vida lhe reservara. Foi o começo. Foi o poço profundo da criatividade se abrindo -  foi o  FAÇA-SE A MÚSICA!
          Hermeto fazia música com todo e qualquer tipo de objeto: bules, brinquedos flauta, voz, um cano de mamona, um Jerimum. Instrumentos convencionais ou não. Para admirar a obra deste fabuloso Bruxo você há de se despir de tudo que é Convencional.  É Sentar na Calçada, fechar os olhos e olhar pra dentro. Pra dentro e adiante.  
         Mas há alguns dias Deus chamou seu menino de volta. Acho que o céu andava silencioso.
         Muita luz nessa passagem. 




    

domingo, 13 de abril de 2025

DESIGUAIS

 



Tão difeentes são

Como dois seres hão

Vindo ao mundo dois irmãos,

Saldos do mesmo ventre,

Ora, brincam, ora aos dentes

O segundo e o primeiro.

Mas, na hora do soninho

Nao sabem sonhar sozinhos,

Um ao outro travesseiro


                    LUIZ MARTINS DA SILVA

domingo, 2 de março de 2025

OS ESCRAVOS MULTILADOS DO CONGO

 



Eu nunca soube, na história do Humanidade, quem fora  LEOPOLDO II da Bélgica e seu reinado de horror. Até que uma noite sonhei com um grande teatro. Eu adentrava ao teatro. Sentei-me em uma das poltronas vazias. No palco diversas pessoas em pé se preparavam para apresentar um coral. A canção começou. Era um canto lindo, arrepiante. Mas percebi ser um canto triste, um lamento. Admirei a beleza das vozes e a harmonia da canção. Eram todos negros, e vestiam-se de branco. As ventimentas pareciam lençois moldados aos corpos. Observei aos poucos que em alguns faltavam, dedos,  as mãos, o antebraço...  Todos tinham  a falta de algum membro. Entendi a dor e o lamento. Eles cantavam pra mim e o canto era lindo. Era uma emoção estar ali e receber aquele presente.

 Quando acordei fiquei impressionada com a imagem e fui pesquisar na internet se houve na história do mundo  algum epsódio de tantos Escravos multilados . Sim, LEOPOLDO II da Bélgica criou um reino particular no Congo para explorar marfim, borracha e minerais riquíssimos. O hábito de amputar membros dos Escravizados que não atingiam metas,  era visto com naturalidade e as maiores atrocidades contra crianças, jovens homens e mulheres foi cometido. A História Do Mundo  não pode apagar esse Capítulo. Eu nunca ouvira falar, apenas depois do sonho. Gratidão aos Escravizados Do Congo pela belíssima apresentação. Eu era a única convidada ali,  nunca esquecerei. 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

REINVENTE-SE

 




Ás vezes é necessário Regar-se

Adubar-se

Sombrear-se

Podar-se

Solarizar-se.

Tudo para poder Florir.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

HERANÇA DE LÁGRIMAS, a História de um livro.


Um dia perguntaram-me: Se você tivesse que salvar um livro, que livro salvaria para toda a eternidade? Ao que respondi: Estou salvando o livro HERANÇA DE LÁGRIMAS. Escrito em 1871 pela escritora portuguesa Ana Augusta Plácido, que por ter contrariado a moral da época, abandonou o marido e atirou-se nos braços do romancista Camilo Castelo Branco, terminou em Cárcere. O escritor também fora preso na Cadeia da Relação do Porto, ao norte de Portugal. 

 ANA AUGUSTA PLÁCIDO escreveu textos para teatro, traduções de romances, colaborou em jornais e almanaques, mas publicou apenas dois livros. O primeiro, escrito ainda na prisão, publicado em 1863-LUZ COADA POR FERROS.

 Eis a história do segundo livro: Passados alguns anos, já em Seide, encomenda o escritor ao amigo, o Conde de Margaride, a edição limitada e não comercial do livro que viria a chamar-se Herança de Lágrimas.O amigo contrata a editora Vimaranense, que terminou por fechar as portas, e cerca de cinqüenta livros restam encaixotados no sótão da casa aonde habitara o Conde. Entretanto, o prédio mais tarde, acabou por tornar-se mercearia e alguém achou uma mina de cartuchos para enrolar açúcar e café. Quando a caixa de livros chega às mãos da Família, restavam poucos exemplares completos e em boas condições. Essas informaçoes  nos é contada em MEMÓRIAS DO TEMPO DE CAMILO, por Alberto Pimentel. Alguns biógrafos acreditam ter chegado à Família meia dúzia de livros. O certo é que passado um século e meio, possui a CASA DE CAMILO um exemplar e, segundo o Museu, em estado de conservação que requer cuidados. 

 Em Setembro de 2005, em um grupo de estudos, tive a nítida impressão de ver a foto de um homem de idade e óculos pincenê. A imagem fotográfica estava impressa numa parede branca. Como se alguém tivesse desenhado. Similar a como eram as fotografias no Sec. XIX. Detive-me por alguns instantes diante dela. Eu não conhecia o rosto e nenhuma das pessoas presentes conseguia ver a imagem: grande e preciso, estava um rosto impresso na parede. O fato das pessoas presentes na sala não verem a fotografia me incomodou. Procurei não pensar mais sobre o assunto. 

Era um grupo de estudo e fiquei de ler o Livro MEMÓRIAS DE UM SUICIDA para ser comentado posteriormente. Embora alguém presente na sala tenha aconselhado-me a ler outro livro, pois este era considerado muito denso, insisti nessa escolha e iniciei a leitura durante a semana. A lembrança do rosto acompanhava-me vez por outra. Comparando fatos narrados no livro com detalhes biográficos do escritor, na internet, fiquei conhecendo a vida pessoal do protagonista. O livro foi escrito por Ivone Pereira, ditado pelo espírito do escritor, e narra a trajetória da alma deste após o desencarne, por tiro que tirou-lhe a vida. Eu  indaguei-me que estava na pesquisa há mais de uma semana e não o conhecia. Ao buscar por uma imagem na internet deparei-me com a mesma fotografia. Sim, era o mesmo rosto que eu vira, abrir-se a minha frente. E este rosto era Camilo Castelo Branco, o romancista. 

Continuei, agora com maior empenho, a remontar a estória biográfica de um dos maiores escritores da língua portuguesa do Século XIX. Na minha busca em sebos e livrarias, chegou-me às mãos em 2006, um exemplar da primeira edição do segundo livro de Ana Plácido - HERANÇA DE LÁGRIMAS. Continuei a busca bibliográfica e mergulhei no cotidiano da famíia, da histórias de fugas do casal e tantos outros enredos reais e romanescos. Os livros que li: O Segredo de Ana Plácido de Teresa Bernardino, o Romance do Romancista de A. Pimentel e muitos outros acabaram por revelar-me que o pequeno livro escrito por Ana, que eu possuía,  era uma raridade. Eu deveria levar o livro a Portugal, foi a única explicação que encontrei para ter visto a fotografia do escritor. E assim fiz.

Não sei se efetivamente salvei um livro. A obra foi doada em 24 de Setembro de 2007 à Biblioteca Nacional, em Lisboa posto que o MUSEU CASA DE CAMILO já possuía um exemplar, aquele requerendo cuidados. Retornei a Portugal o que lhe pertencia. Salvei possivelmente o último exemplar perfeito, da primeira edição do livro Herança de Lágrimas. 

Os vestígios de Ana e Camilo em mim serão sempre como digitais do espírito. Provavelmente temos laços dos confins da eternidade. Que personagem real minha alma foi na vida de dores e lágrimas destes escritores oitocentistas? Um filho, um bom amigo, um desafeto? Aquele livreiro que negou-se a negociar uma edição, mesmo diante dos percalços financeiros da família? Nunca vamos saber. Provavelmente nada disso é importante. O que sei, é que quando alguém disse que eu fora escolhida para a entrega do livro, pensei que isso incluiria gastos e que de algum modo eu deveria me preparar para as despesas. Então, inscrevi-me no Concurso Literário Rachel de Queiroz. Escrevi uma narrativa ficcional sobre a Camilo - CEMITÉRIO DE ESTRELAS e um poema inspirado em Ana Plácido. O conto falava das consequências para os personagens que viram-se órfãos, após a morte do romancista e sobre o incêndio que ocorrera na casa alguns anos depois. Coloquei toda minha alma no conto. Foi necessário filtrar a mensagem, escrevi e o reescrevi muitas vezes, pois era difícil passar ao leitor todos os sentimentos prévios que envolvia a narrativa. Uma amiga querida me ajudou. O conto foi premiado, mas premiação em dinheiro foi dada à Poesia MEMÓRIAS BRANCAS em homenagem à escritora. O prêmio monetário facilitou-me a viagem ao Velho Mundo para cumprir a tarefa de entregar à BNP o exemplar do pequeno livro. Paguei as despesas da viagem e, claro, aproveitei para conhecer a Torre Eiffel. Paris? È linda!  Ulah, lah!!!

 Nota;  FOTOGRAFIAS
O livro foi adquirido de um camelô na rua da Lapa no Rio de Janeiro, empilhado no chão misturado a tantos outros livros antigos.  Contudo, não era o último capítulo desta narrativa, entregar o exemplar do livro. Em 2013, chega-me ás mãos um exemplar do primeiro livro da escritora LUZ COADA POR FERROS.  Neste exemplar há uma fotografia da autora colada na primeira folha. Lembro-me que a primeira vez que contactei o museu em SEIDE, para falar de um  livro oitocentista, a primeira pergunta feita foi se havia uma fotografia na primeira página.  Esse livrinho com mais de 160 anos resistiu ao tempo e deve ir para o Museu do Escritor.
Após todos os acontecimentos da viagem, continuei a pesquisa sobre a escritora e sempre causou-me curiosidade porque ela usava tantos pseudônimos. Entre eles descobri VIDAL DE NEGREIROS . Ela alegava que, na infância,  em uma aula de História , conheceu o personagem e se encantou pela figura no livro, pela biografia, pela pessoa de André Vidal de Negreiros. Paixão ás primeiras linhas.  Fiz uma pesquisa sobre ele e cheguei a um personagem da História do Brasil/Portugal fascinante.  Mergulhei nesse atalho como se encontra uma passagem  na parede e se chega a um novo reino. Havia uma Ana na vida de André Vidal. A brasileira ANA PAES, a Ana de Holanda. Isto deu um romance em gestação que juro terminar. 
Por fim quando estive em visita ao Museu Casa de Camilo em 20 de setembro de 2007, deparei-me com a fotografia. A mesma que eu vira abrir-se gradualmente à minha frente. Desceu-me um arrepio na alma. O problema é que as vezes minha alma dá saltos.