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quarta-feira, 24 de março de 2010

DEIXAR VIR A MIM




Aos que incessantemente procuram, aos aflitos e desafortunados, um aviso: A Esperança é uma borboleta colorida e rodopia entre os muros.


Apenas ouvia-se o barulho forte e ritmado das patas dos cavalos atravessando o rio. O som abafado como tambor erguia-se em compasso sonoro e repetitivo. O ruído abria círculos de ondas que cresciam indefinidamente. Os cavaleiros traziam nas mãos lanças com pontas de metal, outras esculpidas em madeira. O que podia ser visto era a passagem ligeira das patas, dos dorsos, das crinas... apenas o movimento horizontal sobre a água… Deixavam o cheiro da pressa flutuando no ar. Formavam-se bolhas endurecidas que caiam rapidamente no chão. A cor turva da água tremulou ainda por alguns minutos quando o último animal passou. A areia do fundo do rio repetia o subir e descer e o movimento ganhou forma a nossa frente: os homens buscavam. Uns tinham feridas imensas à mostra. Cortes nas costas, furos de balas no peito. Alguns tinham marcas de cordas no pescoço e havia os que incessantemente buscavam o ar, como se lhes tapassem nariz e boca. Todos sem exceção queriam o encontro. Eram as vítimas em busca de seus algozes. A rigidez dos lábios e a petrificação dos olhos não nos deixavam dúvidas.
Perfilaram-se após o cessar da corrida lado a lado e viam, lá embaixo, as árvores. Depois das árvores havia canteiro de cores; muitas cores. Estávamos atrás deles e víamos o brilho das flores sob a luz do sol. Do lado de cá os guerreiros no momento prévio da batalha. Do lado de lá apenas o desconhecido. Temíamos o encontro. Buscamos mentalmente a benevolência do perdão. Enlaçamos todas as pontas e desejamos que a rede do infinito amor do Cristo chegasse até eles. Nossa força era demasiadamente limitada, éramos apenas portageiros de uma fé em transformação.
A respiração do guerreiro freava em ritmo ofegante e quando o último movimento serenou, ele apenas observou. Nada mais havia depois das cores, apenas o balanço de varais ao vento. O primeiro da fila olhou para o companheiro ao lado. Bateu por duas vezes a ponta da lança afiada no chão. O companheiro repetiu o gesto. O chão sobre nossos pés estremeceu com a batida coletiva. O primeiro homem desceu do cavalo e caminhou em direção às árvores. Os outros seguiram entre os canteiros de flores. O que ia à frente levantou a ponta do lençol sobre o varal. A partir dali a tarde findava-se numa claridade dourada e esta luminosidade dançava entre as árvores como uma melodia. O homem teve muita dificuldade em manter os olhos abertos. No começo não via nem ouvia nada, apenas recebia a luz. As cores emergiam das asas das borboletas e da água clarinha que se espalhava no rio. Agora o homem ouvia o rio. Era uma canção mansa, desconhecida. Lavou as mãos e deixou sob a água a arma de metal. O reflexo da água alargava e tremulava a lança. O guerreiro desceu novamente as mãos em concha e bebeu a água. Lavava calmamente as feridas na água fresca que misturava-se à poeira e ao barro da estrada. À medida que lavava o corpo o sangramento estancava. As feridas tornavam-se pontos pequenos e quase imperceptíveis. Do outro lado do rio, havia o burburinho indecifrável de vozes. O que abrira o caminho entre os lençóis prosseguiu em direção ao ruído, olhavam sem entender. Ali estava o que buscavam. Os que foram encontrados traziam um sinal individual que ligava cada um a algum deles. Apesar da aparência podiam ser reconhecidos. O homem que ia à frente, já sem marcas de sangue e sem sede estendeu a mão em direção a quem sempre buscara. Encontrou uma mãozinha pequena e roliça de criança. Entre as árvores e a vegetação rasteira estavam eles: centenas de meninos e meninas. Deviam ter pouco mais de dois anos. Cachos de cabelos e rostos redondos olhavam. O pequeno à frente do homem apontou-lhe o dedo, depois o recolheu subitamente em direção à boca. O guerreiro o tomou no colo. Os outros caminhavam entre o exército de soldados desarmados. Ouvia-se um burburinho de risos e prece. Lá do outro lado do rio a luminosidade brincava com as borboletas e com as nuvens do céu.
L.A

sábado, 20 de março de 2010

BEIJOS DO MAR




Poema de TERESA FERRER PASSOS

Imagem- Octávio Campos


Na serra, as ondas do mar escrevem beijos no ar...
Vejo além um favo, escondido num trilho
onde se faz amor nos dias com sol.
Um silêncio azul cresce até ás nuvens breves.
A esvoaçar, há pássaros brancos em Alportel.
Vejo-os de asas tangenciais.
São novelos de amor em construção.
Dois sobreiros envelhecidos sobem, a custo,
até ao céu e beijam-se ufanos, na Cortelha…

Ofereceste-me, hoje, um poema escrito no absoluto da tinta
e ainda esta serra com perfumes a alecrim amarelo.
A viagem, curta, é, talvez, igual a uma folha de azinheira
com estrelas de chuva pequenina.
Tudo tão perto, à beira do caminho, quase ao pé de nós…

Como eu gostava de te oferecer a chuva ou o vento,
qualquer coisa intensa, assim. Ou ainda mais forte:
um barco verde carregado de possível!

No Barranco Velho, dois pássaros brancos passam sobre nós.
Olho-os. Deles escapa-se uma onda.
Ah, é uma onda solta do mar...
Uma onda perdida na serra, nas asas daquele voar...
A custo, consigo agarrá-la.
Vem carregada de beijos soltos…
Seguro-os, a quase todos, bem dentro da minha mão.
E na tua face deixo-os escorregar,
como se fossem para juntar aos meus,
aqueles que hoje, porque estou com gripe,
não te posso dar.

S. Brás de Aportel, 19 de fevereiro de 2010.

quinta-feira, 11 de março de 2010

RECADO - ANA PELUSO



Querido Leitor,

Desfolhando 42 jornadas culturais, a Diversos Afins celebra a sua mais nova Leva. Entre as expressões de agora, estão:
- signos do corpo na exposição fotográfica de Ricardo Miyajima
- o lirismo poético de Rosane Carneiro, Ligia Dabul, Paula Raposo, Abílio Pacheco, Alexandre Bonafim, Alam Arezi e Edson Pielechovski
- uma entrevista com o cantor e compositor Celso Fonseca
- dedos de prosa em Rodrigo Melo, Samantha Abreu e Larissa Mendes
- um convite à leitura de Georges Perec na crônica de W. J. Solha

Estes e outros afins em:

http://diversos-afins.blogspot.com
Saudações culturais,

Fabrício Brandão & Leila Andrade - LEVEIROS

sábado, 6 de março de 2010

UNS


Ricardo Reis (*)

Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
o dia, porque és ele.

(*) Heterônimo de Fernando Pessoa.

Nota: Fotografia- Imaginário Poético
Colaboração enviada por Osmar Oliveira Aguiar.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

MOTIVO


Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
-não sei , não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
-mais nada.
Cecília Benevides de Carvallho Meireles nasceu no Rio de Janeiro em 1901. Iniciou na literatura através da "corrente espiritualista" , sob a influência dos poetas neo-simbolista. Embora tenha se distanciados desses , nunca perdeu a linha intimista numa atmosfera de sonho e fantasia. Cecília manifesta sempre sua preocupação com a transitoriedade das coisas e das pessoas. O tempo é seu principal personagem. A linguagem de Cecília é formada por símbolos e imagens sugestivas e sensoriais.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

ENCONTRO DAS ÁGUAS





... a paixão veio assim
Afluente sem fim
Rio que não deságua

Aprendi com a dor
Nada mais é o amor
Que o Encontro das Águas

Esse amor
hoje vai pra nunca mais voltar
como faz o velho pescador
Quando sabe que é a vez do mar

...
JORGE VERCILO

domingo, 7 de fevereiro de 2010

CLARA CLARICE


Foi quando percebeu que só tinha nas mãos cacos, que eram tão pequenos que não podia emendá-los. Foi quando percebeu que a luz que abre os dias é a pura claridade dos dias e o que mata sede é água. Foi como acordar lúcido e sujo numa calçada. Diante de uma saída tão estreita, acabou concordando que a realidade tinha sua fatia sem matéria. Ela não: tinha um rosto, cabelos, fome e sede. Fome e sede... O pior era que o tempo passava.
Resolveu não mais sair de casa e a viver num estado de desistência. Na calma de nada entender trancava gavetas, portas e janelas. O que não convivia bem consigo, era não se achar de confiança e quase sempre não caber em si. Sua felicidade consistia em ter um sentimento secreto de inexatidão. O dia que tudo lhe parecesse matemático, teria a impressão cômoda dos dias. Constatou então, que colocavam um fim fora de lugar. Na verdade amava ter sido dois. Julgou que se fosse a outra parte seria mais fácil; contudo sabia que não sendo o lado feminino da história, jamais alcançaria esse estado de inquietação, de querer saber o que um homem sente. Eram territórios sem fronteiras.
Estava de través, como se qualquer outra posição a desequilibrasse. Sabia que não poderia permanecer por muito tempo assim, esse estado de alvoroço anestesiava e tirava-lhe o sono. Passou a viver num estado de Desistência. Da desistência chega-se à loucura. A loucura é uma canção sem voz.
Por muito tempo, sua única ligação com o mundo era o rapaz da mercearia que às Quintas-feiras trazia as verduras.
-Dona Clara! Gritava do portão.
Também aconteceu: "O tempo pôs-se a correr, a correr, a correr, e o mato cresceu ao redor, ao redor..."
Ela era por liberalidade sua própria feiticeira.
Aí, vem o dia que a maior das artes humanas vence: A Sobrevivência - estado latente de defesa. Até ali, não ter certezas era o fruto que carregava em silêncio. Com habilidade mestre , colocou-o sobre a mesa e o partiu, como se procurasse a menor das células. Embuída que estava do mesmo sentimento que Deus teve no dia que resolveu fazer o mundo, abriu as janelas da sala.
A umidade da casa atravessou a varanda.
L.A

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Canção aos olhos e ouvidos de Sônia Schmorantz




BRINCAR DE RIMAR

Sônia Schmorantz



Eu quero qualquer coisa mágica,
qualquer coisa azul,
qualquer forma de ser feliz.
Não quero acordar cedo,
quero prolongar o sonho
mesmo
que a história seja trágica.
Não quero sonhos falsos,
Não quero destino já traçado,
Não quero uma vida básica.
Não quero restos ou pedaços
Não quero olhar o relógio,
Não quero um tempo sádico.
Quero valer um mar azul
uma estrela na varinha de condão
um poema de efeito mágico,
que seja fácil, que seja simples,
nem litúrgico, nem letárgico,
mas que fale ao coração…




NOTÍVAGA

Sônia Schmorantz


Sou notívaga, perambulo nas madrugadas

como as corujas, empertigadas, em cima dos muros.

Ouço os sons da madrugada, os que estão fora e
os que tenho dentro de mim.

Silêncios quebrados por sons de pássaros noturnos,
pessoas que passam, chave na fechadura, criança que chora.

cortam a madrugada o choro dos amores mal resolvidos,
Os sonhos ainda não vividos, o som de risos perdidos na memória.

A madrugada está cheia de sons, música transcendental, natural
que não precisa de cordas ou teclas, vem no assobio do vento
ou nos acordes dos pingos de chuva na velha calha.

Não sei que hora o relógio marca, sei que estou acordada,
que o poema não deixa de ser uma oração silenciosa,
será que Deus ouve melhor nessa hora?

Resta depois esta vontade de chorar diante da beleza,
Resta esta súbita saudade de tudo e de nada,
até que os sons se esmaeçam enternecidos no sono
que finalmente chega…

Nota : Textos e fotos do Blog visual e poético de Sônia Schmorantz
Vale muito conhecer: ILHA DA MAGIA

domingo, 31 de janeiro de 2010

em M ovi men¬t o



DOMiNGOS sÃO rios de risos em sonhos
curvos, zonsos, fundos.


São cataVentos coloridos
vagos, inúteis, sURDOS.

dOMINgOS cheiram a maçã e missa
vagas lembranças de dias sem sol.

à TARDE, apontam o trilho ligeiro dos dias
Zunem versos roucos no ouvido

Abrem os riscos contínuos na estrada
distorcem o contorno das folha nas árvores.

SAL_ tam os muros secretos dos dias
Dos dias que chegam depois de amanhã.

Sunday, sundAY , CAdê você?

L.A

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Luzes e Caminhos


Luiz Martins da Silva

São tantas metáforas
Que se fazem aos caminhos,
Que andar nem é tino
É alegoria de mirar.

Caminho, camino, caminno,
Senda, sendero, chemin,
Caminito, trilha, vereda,
Serventia de andaluzes.

Lâmpada, lamparina, archote,
Lanterna, tocha, fósforo,
Única brasa que seja,
Quanto mais raio, corisco.

Lua, estrela, via láctea,
E ainda que seja a noite, nua,
Espesso breu dos navegantes
Faíscam pedras nos cascos os rocinantes.

E que aos mortos não se neguem lumes,
Pois morrer será a própria eterna treva.
Que se lhes acendam velas, candelabros,
Fileiras ardentes, vigílias de castiçais.

Mas, mais que todas as luzes acesas
São os olhos das musas os grandes sinais,
A nos guiar qual do sol as labaredas,
Pois facho maior que do amor não há farol.

Sobre o autor: Luiz Martins da Silva nasceu em Nova Russas (CE), em 03/09/1950. Em Brasília desde 1970; formado em Jornalismo e mestre em Comunicação pela UnB; doutor em Sociologia (UnB/Universidade Nova de Lisboa); jornalista desde 1975 (Jornal de Brasília, O Globo e Veja, entre outros). Professor da Faculdade de Comunicação da UnB, desde 1988; e pesquisador do CNPq, desde 1996. Participação, entre outras, da antologia Poesia Jovem – Anos 70. Integrou a Geração Marginal.
Bibliografia: Rua de Mim; Comigo Foi Assim; Brasilinhas; Breviários; e Realejo. Foi um dos organizadores da antologia de poesia Águas Emendadas (1977). Autor de vários livros e trabalhos acadêmicos na área de Comunicação.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A ETERNIDADE


de Arthur Rimbaud


De novo me invade.
Quem?
A Eternidade.
É o mar que se vai
Como o sol que cai.

Alma sentinela,
Ensina-me o jogo
Da noite que gela
E do dia em fogo.

Das lides humanas,
Das palmas e vaias,
Já te desenganas
E no ar te espraias.

De outra nenhuma,
Brasas de cetim,
O Dever se esfuma
Sem dizer: enfim.

Lá não há esperança
E não há futuro.
Ciência e paciência,
Suplício seguro.

De novo me invade.
Quem?
A Eternidade.
É o mar que se vai
Com o sol que cai.
Tradução: Augusto de Campos

Gentilmente enviado por Osmar Oliveira Aguiar

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

ABISMO DE ROSAS







Américo Jacomino, o Canhoto, compositor e instrumentista, nasceu em 1889 . Brasileiro, filho de imigrantes napolitanos, nunca freqüentou escola. Desde garoto interessou-se por violão, que tocava, mesmo sem inverter as cordas, na posição de canhoto, o que deu origem a seu nome artístico. Aos 16 anos começou sozinho a aprender cavaquinho, época em que já tocava em serenatas.

Em 1907, durante uma serenata no bairro da Mooca, conheceu o cantor Paraguaçú, com quem começou a apresentar-se em cinemas, circos e restaurantes.
Em 1913, já conhecido na capital paulista como bom violonista, gravou pela primeira vez, na Odeon, na série 120.000, a valsa Belo Horizonte, a polca Pisando na mala. Compôs aos dezesseis anos Abismo de Rosas, clássico do violão brasileiro.
Já em 1916 gravou suas valsas Beijos e lágrimas e Acordes do violão, primeiro título de Abismo de rosas.
Gravou em 1918 os tangos Madrugando e Recordações de Cotinha. Na época da Primeira Guerra Mundial, compôs a Marcha triunfal brasileira .

Em 1919, foi convidado, a formar um trio com Viterbo Azevedoe Abigail, uma menina , para apresentações teatrais, em que Viterbo encarnaria o Jeca Tatu, famoso personagem de Monteiro Lobato.No mesmo ano o Trio Viterbo-Abigail-Canhoto estreou em São Paulo e em seguida excursionou por cidades do interior . Em dezembro foi para o Rio de Janeiro, dando um recital de violão no Teatro Lírico.

Inicia em 1920 a produção de músicas carnavalescas, embora continuasse a compor outros gêneros. Lançou, para o Carnaval daquele ano, Ai, Balbina e no ano seguinte Já se acabô (ambas com Arlindo Leal). Logo depois instala-se em S.Paulo, onde abriu loja de instrumentos musicais. Foi um dos pioneiros, ao lado de Paraguaçu, da Rádio Educadora Paulista, primeira emissora do Estado.
Em 1922 gravou a Marcha triunfal brasileira e regravou Abismo de rosas. Um ano depois gravou como cantor a Marcha dos marinheiros e no ano seguinte o samba Só na Bahia é que tem (ambos de sua autoria).
No ano de 1927, no Rio de Janeiro, participou do concurso O que é Nosso, patrocinado pelo jornal Correio da Manhã e realizado no Teatro Lírico, quando executou três músicas de sua autoria, a Marcha triunfal brasileira, Viola Minha Viola e Abismo de Rosas, vencendo o concurso e recebendo o título de Rei do Violão Brasileiro.
Em março de 1928 retornou ao Rio de Janeiro, gravando algumas de suas composições em solos de violão e cavaquinho, adoece e é levado de volta a São Paulo , onde vem a falecer.
Pesquisa: André A.

sábado, 9 de janeiro de 2010

JIDDU KRISHNAMURTI




" A verdade é uma terra sem caminho. Os homens dela não se podem aproximar por qualquer organização, por qualquer credo, por qualquer dogma, sacerdote, ou ritual, nem por qualquer conhecimento filosófico ou técnica psicológica. Ele, o homem, tem de encontrar a verdade através do espelho das relações, através do percebimento do conteúdo da sua própria psique, pela observação, e não por qualquer dissecação intelecutal e analítica."

Jiddu Krishnamurti


Filósofo e educador indiano ( 1895-1986)



Jiddu Krsinamurti nasceu no sul da Índia em 1895. Ainda menino, foi " descoberto" pelo clarividente Charles Webster Leadbeater como a pessoa que tinha a aura mais pura jamais vista por ele em um ser humano. Adotado por líderes da Sociedade Teosófica da época e apresentado ao mundo como o novo instrutor espiritual da humanidade, dissolveu a organização que fora criada em torno de si, que reunia aqueles que acreditavam na vinda do novo messias, devolvendo ricas propriedades que lhe haviam sido doadas, sustentando que não pretendia criar uma nova igreja, mas que seu trabalho era o de ajudar a tornar os homens incondicionalmente livres.

Ao longo de toda a sua vida, até seu falecimento em 1986, Krishnamurti viajou por diversas partes do mundo, tratando de temas de vital interessse para a vida de cada ser humano, questionando profundamente a estrutora de pensamento, do "eu" e dos condicionamentos enraizados em nossas próprias mentes.

Fonte: Centro De Estudos Krishnamurti - Brazlândia, DF, Brasil.


VIAGEM CÓSMICA



ESTRELAS DUPLAS
“Eu só queria te contar
Que eu fui lá fora e vi dois sóis num dia
E a vida que ardia sem explicação
Não tem explicação,
Não tem, explicação, não tem, não tem.”
- O SEGUNDO SOL - NANDO REIS


A aglomeração de estrelas formada pela grande nebulosa a Via-Láctea possui vários sóis. Entre esses diversos sóis, a maioria é como o nosso, cercada de mundos secundários, que iluminam e fecundam. Uns, como Sírius, são milhares de vezes mais magníficos, em dimensões e riquezas, do que o nosso, cumprindo assim um papel mais importante no Universo . Também os planetas , em maior número, são muito superiores aos nossos. É assim que um certo número desses sóis, é acompanhado de seus gêmeos da mesma idade e formam no espaço os Sistemas Binários. São as estrelas duplas. Ali os anos não mais se medem pelo mesmo período, nem os dias pelos mesmos sóis, e esses mundos iluminados por uma dupla luz receberam condições de existência inimagináveis pela maioria de nós que nunca saímos do pequeno mundo terrestre. Os efeitos prodigiosos de luz produzidos pelos dois sóis para os habitantes desses mundos , apesar da proximidade aparente , permitem a circulação entre eles, e ainda receberem alternadamente ondas de luz diversamente coloridas, cuja reunião recompõe a luz branca.

Zarias atravessou a ponte entre sua casa e a entrada principal da cidade , onde passava o maior período da manhã. Deu alguns passos e entrou no círculo claro. Neste ponto sempre caminhava com mais cuidado, pois a visibilidade era como de estrada em nevoeiro. Alguns passos e bateu o ombro em alguém que caminhava em sua direção.

_ Desculpe aí amigo!, disse o estranho.

Zarias parou por uns segundos e olhou o desconhecido. Subitamente observou que há anos não ouvia uma comunicação verbal e não decifrou em princípio o dialeto. O estranho continuou:

_ Por favor você poderia me mostrar a saída? Acho que eu me perdi.

Zarias sabia que conhecia a linguagem e estava diante de uma situação inusitada, dessas que acontecem a cada dez mil anos. Lembrou-se das lições de quando era criança, dos inúmeros idiomas e dialetos verbais que aprendera. Era hora de utilizá-lo.

- É..., um.. hã... Muito prazer, meu nome é Zairas eu vou ajudá-lo.

-Você pode me dizer porque raios, eu não estou enxergando nada, acho que bati a cabeça.

_ Eu também, não estou enxergando muito , saí de casa sem o devido preparo. Mas não se preocupe, siga-me . A ponte não é muito grande, logo estaremos do outro lado.

Quando chegaram do outro lado, o estrangeiro olhou tudo a sua volta, não acreditando no que via. O Céu tinha uma tonalidade rósea e em alguns pontos cintilavam corpos aqui e ali. Não eram estrelas, flutuavam no ar, sumiam e apareciam continuamente. Ou seriam ?

- Vem cá, amigo isto aqui é algum planetário. Olha faz tempo que eu não vou num...

- Não, este é um dos céus de Sirius.

_ E aquilo ali, parecem... dois sóis?

- São dois sóis. Acho que você caiu aqui por engano.

_ E você que dizer que eu estou em outro...

_ Você está em outro mundo. Não sei como veio parar aqui , mas com certeza sua estada não deve durar muito tempo . Na sua contagem penso que alguns minutos.

_ É... acho que eu estou dormindo e devo acordar em alguns minutos ..., bem já que estou por aqui que tal você me mostrar tudo então . ... Eu não disse meu nome. Meu nome é Zacarias.

- Seja bem-vindo Zacarias, mas... estou desconfiado de alguma coisa... Eu já vi contar sobre acontecimentos como estes. Veja... estenda seu braço à frente.

O estrangeiro esticou o braço e foi como atravessar uma cortina invisível. Sentiu a umidade do ar e a vibração sobre a mão. Viu um ponto de luz formando-se entre os dedos e puxou a mão rápido.

- Agora vire -se de costa, de onde você veio, e tente esticar a mão. O estranho obedeceu e encontrou resistência.

_ É vidro?

- É como se fosse; só que não se quebra , disse o dono da casa.

- Observe quando eu estico o meu braço, continuou. Atravessou com metade do braço a parede não visível.

- Observe, disse ainda, que eu não consigo atravessar a parede a sua frente, como você fez.

- Você quer dizer que estamos presos aqui sobre esta ponte.

- Não, eu quero dizer que você segue em frente e eu sigo em direção contrária.

- Cara, você quer dizer que eu vou pro seu planeta e você segue pro meu?

_ Parece que sim.

- Isto quer dizer que se isso não for um sonho, nós não voltamos para nossas casas?

- Com certeza..

- Eu vou te dizer uma coisa seu Zairas, só olhando o espetáculo no céu eu vou te dizer que seu planeta é fantástico.

- O seu, pelo que eu estudei, é belíssimo.

- E como eu vou me comunicar. Todo mundo fala a minha língua como o senhor?

_ Os que não sabem se esforçam. Vou lhe adiantar que o senhor terá muito o que estudar.

- Eu vou lhe adiantar também que as coisas por lá, aonde o senhor vai, são complicadas. Mas eu acho que o senhor se sairá bem.

- Faz tempo que recebi umas aulas sobre esse tipo de viagem. Vou procurar me lembrar durante o caminho. Boa sorte, Sr. Zacarias. Acho que o Senhor será feliz enquanto estiver por aqui.

_ Quer dizer que ainda vamos nos reencontrar?

_ Daqui a um tempo..

- Eu deveria alertar o Senhor Seu Zairas, mas acho que o Senhor saberá fazer as melhores escolha. Dê aqui um abraço.
Em pé sobre o fim da ponte , sob os sóis de um dos planetas da nebulosa, dois homens se despediam. O caminho à frente do desconhecido foi alargando-se e plantações de girassóis eram vistas ladeando a trilha. Ora ele tocava a parede à esquerda da trilha , ora à direita. A textura era de bolha de sabão, mas não se rompia. O desconhecido deu alguns passos e o imenso jardim de girassóis abriu-se a sua frente , não mais havia paredes laterais. Os sois sobre os girassóis criavam uma linha sinuosa lhe indicando a passagem. Zairas olhou o homem por algum tempo ir sumindo na curva luminosa. Inspirou fundo e não teve medo.
"Inspirado no capítulo - Uranografia Geral- do Livro A Gênese- Allan Kardec"

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A FLORESTA DOS ESQUECIDOS


Texto de Mauro D. Spinato


No extremo sul do Brasil existe uma terra de planícies sem fim, onde é possível andar dias sem encontrar uma viva alma. Os fazendeiros dessa região, não raro, desconhecem os limites de suas propriedades, tal é a imensidão daqueles desertos verdes
Pela posição da lua minguante e das estrelas, Taurino deduzia passar duas ou três horas da meia noite. Estava caminhando a mais de doze horas, tendo visto o último ser vivo pela meia tarde. Trabalhador de estâncias, domador de potros ariscos, não tinha paradeiro certo. Andava de fazenda em fazenda pleiteando serviço, pouso e comida. Acostumou-se atravessar as planícies de madrugada, quando a temperatura era mais amena. Os olhos estavam treinados na escuridão e mesmo em noites sem lua apenas a presença das estrelas garantia a luminosidade mínima para Taurino. Ao longe, numa depressão que imitava um pequeno vale, os olhos de Taurino vislumbraram uma tímida luminosidade. Parecia uma estrela caída na terra. Imaginando tratar-se de uma casa, dirigiu-se ao local. Um repouso àquela hora seria bem-vindo. No entanto, aproximando-se, constatou que a luz não provinha de uma lâmpada. Era branca, muito forte, mas não agredia os olhos. Vinha de um objeto, que ainda não conseguia definir a forma, cravado no solo. À medida que se aproximava sentia o terreno irregular transformando-se num tapete macio, coberto por uma espécie de musgo verde e aveludado. Taurino já estava próximo, mais ou menos uns vinte metros, mas ainda não conseguia definir o objeto de onde emanava tal luminosidade. Entre ele e o objeto havia uma pequena e estranha floresta de troncos disformes totalmente cobertos com o mesmo tapete verde que pisava. A direção contraria da luz transformava-os em criaturas fantasmagóricas, escuras e desesperadas. Taurino, que não era de sentir medo, sentiu um arrepio subir a espinha. Desviando, um a um, os fantasmas negros, finalmente conseguiu visualizar o local de onde vinha a estranha luz. Um grande disco, que na compreensão de Taurino devia ser de vidro ou cristal, aparecia pela metade emanando uma energia branca e leitosa, quase palpável. Nos muitos anos de vida, já havia visto muita coisa e escutado muitos “causos” mas nenhum era parecido com isto. – “ Será que isso são os tais marcianos?” - Depois de um momento de perplexidade, tomou coragem e tentou se aproximar, porém não conseguiu se mover. Espantado, Taurino viu seus pés cobertos pelo musgo verde e agora, brilhante. Por mais força que fizesse, não conseguiu mover um milímetro sequer. A massa verde subia silenciosa, alcançando os tornozelos. Ele sentiu seus ossos sendo penetrados e a vida e a sensibilidade que existia neles esvaindo-se rapidamente. O pânico tomou conta de Taurino; começou debater-se, urrar, gritar desesperado, sentindo sua vida petrificar-se centímetro a centímetro. Num último estertor olhou para trás e reconheceu na floresta de troncos outros que por ali passaram e ali ficaram, esquecidos. Outros que não tinham nada e nem ninguém para sentir-lhes a falta.