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quinta-feira, 9 de junho de 2011

ALQUIMIA MATINAL


Luiz Martins da Silva


Toda manhã, bem cedinho,
Feito oração saborosa,
Uma história de carinho
Vem aquecer a memória.


Descobriu um pastorzinho,
Lá nos rincões da Etiópia,
Cabritas pulando eufóricas
Depois de pastar a frutinha.


Mal sabia o abissínio
Que o efeito do café
Hoje, depois de milênios,
Ainda bota a gente em pé.

Por isso faço esta ode
E de todo o coração
Dedico ao pastor de bodes
Estes versos de fogão.

Saídos, passados na hora,
Feito licor aromático
Dádiva vegetal generosa
De tantos poderes mágicos.

domingo, 22 de maio de 2011

JURIS ET DE JURE (Conto)



O mar , asseguram os poetas, guarda o segredo dos rios. Esses , em obediência cega, entregam-se à sua imensidão.


As fotos envelhecidas em marrom e bege, espalhadas sobre os joelhos e o vestido, eram o que eu conhecida dele. As imagens não eram nítidas, mas podia vê-lo sentado na varanda da casa enquanto os olhos corriam além da curva dos dias. Os dedos magros torciam a palha do milho num movimento infinito das mãos. Em que país moravam suas lembranças ?
Os primeiros anos de infância já denunciavam o fascínio pelas estórias que os mais velhos contavam. Elas abriam-se a minha frente, como se as visse da janela do quarto. As casas não possuíam luz elétrica, e as estradas de poeira e pedra levavam sempre a casa de Seu Bento. Era homem de pouca leitura, o suficiente para ler a Bíblia pela manhã enquanto os filhos dormiam. Lia em voz alta como se quisesse que as palavras lhes chegassem ao sono. A casa cheirava a café e salmo.
Assim como um quebra-cabeça sobre a mesa, eu reconstituía uma casa e uma família que não vivera. Aninhava-me nas cobertas, entre os meninos, como se fosse possível estar ao lado de pai e tias. Podia ouvir por que Deus fez céus e terra e deu aos homens um coração bom. Sentava-me à mesa e recebia, também, o pão de aveia, dando graças ao Senhor. Tudo me era possível à medida que retirava da caixa de sapato as fotografias.
As pessoas chegavam cedo ou vinham nos fins de tarde. Havia sempre cadeiras na entrada da casa como se também fosse dele o ofício da espera. Com a mesma sabedoria que Deus deu a Salomão, decidia quantas sacas de feijão seriam pagas e se as cabras deveriam ficar aquém ou depois das cercas. Se dizia que o casamento era devido, cevavam-se os porcos e bordavam-se as toalhas. Como as estradas ainda eram trilhas naquelas terras de Minas e não havia pontes para cortar caminhos, os vizinhos entregavam seus conflitos a Seu Bento. Ele os ouvia pelo tempo que elas julgavam necessário . Alguns, por vez, alteravam a voz; outros , em tom resignado, diziam confiar em Deus. Após um breve suspiro, ele arqueava as sobrancelhas e definia novos caminhos às desavenças. As pessoas recebiam a decisão como se procurassem em terreno árido água fresca , encontrando sorviam o reflexo em água doce como recompensa. Assim, compunham-se os conflitos e arrastavam-se os dias deste lado do rio.
Seu Bento tivera muitas filhas, mas apenas um "filho homem" . O menino desde cedo se entendia mais com os cavalos e vacas do que com a natureza das mulheres. Gostava mais do curral que da sala da casa. Acompanhava a prenhez das éguas e os partos mais difíceis até o apagar das estrelas. Costurava asas e cortes profundos, acalmava e curava dores - queria ser Veterinário.
À medida que os anos corriam, as pessoas viam nele a continuação do pai, e assim esperavam que se tornasse o Juiz da cidade.Um dia a mãe entregou-lhe a melhor camisa, ainda morna da lisura do ferro, engraxou-lhe as botas e entre fardos de farinha, viu afastarem-se : a casa, o curral, as árvores pequenas que costeavam o rio e ainda as pedras que se alinhavam cada vez mais rápido à passagem do carro. Desde então, quando retornava nos feriados prolongados, corria primeiro ao curral e ali passava o melhor das horas. Assim foi na primeira vez e nas que se seguiram. Aos poucos passou a observar o curral das sombras do quintal, depois, da janela da cozinha. Os anos seguintes o encontraram olhando apenas da janela do quarto. Não mais.
A cidade transformou suas trilhas em estradas que se ladearam em casas e nas casas os homens, no acender dos lampiões, guardavam seus dias como pães dormidos em latas sobre o aparador. João Deodato formou-se em Direito.

Era homem de pouca conversa, se bem me lembro. Nem quando me entregara naquela manhã o pacote:

− Ana, é seu. Disse monossilábico.

Esperava mais que o pacote estendido. Retirei da caixa a boneca muito loira. Tal qual a moça do filme dei-lhe o nome de Miss Molly. Usava um vestido armado e um decote com rendas. O cabelo preso ressaltava-lhe o azul dos olhos. Fôramos juntos ao cinema e ele entendera o meu encanto com a heroína das diligências do Velho Oeste. Lembrara-se disso ao comprar a boneca. Era seu jeito de abraçar a filha.
João Deodato deu a todos o destino que lhe reservaram. Aos trinta anos era Juiz na cidade vizinha. Nunca entendi porque não trabalhava no fórum perto de casa. Nem porque minha mãe dizia que aqui ele era suspeito. Suspeito não era um desses homens que mal se vê o rosto e que se esconde atrás dos postes? Hoje, retirando da caixa todas as fotografias , vejo apenas um homem incomodado no terno escuro, como se os sapatos lhe apertassem os pés diuturnamente.

Todas as tardes eu sentava com Miss Molly no meio da escada e a cena que via era sempre a mesma. As mulheres aguardavam aflitas o telefone tocar. Ao primeiro sinal corriam do andar de cima ou da cozinha em pavorosa. Às vezes repetiam em eco uma das outras, aglomeradas ao redor do telefone:

− O juiz saiu do Fórum!!!

O telefone desligava. Elas aguardavam ansiosas a nova chamada.

Recomeçava o coro:

− O Juiz entrou no bar!!!
Sentavam-se espalhadas pelas poltronas da sala. Novo telefonema.

− O Juiz terminou uma garrafa!
Agora em aflição:


− O juiz subiu na mesa!

Hora de pegar o carro da família e correr para a cidade vizinha. À tardinha entravam arrastando o homem. Um homem desabado no tapete da sala. Quando saíam, eu o cobria com a colcha da cama e colocava sob a cabeça a almofada. Na manhã seguinte encontrava-o novamente recomposto na cadeira da cozinha. Os gestos eram curtos, tomava apenas o café escuro.

Um dia, uma das tias encontrou-me folheando os livros na estante da sala e comentou:

− Essa menina é muito inteligente, vai ser uma excelente professora!

Ele olhou-me do fundo dos olhos e disse:

− Só se você quiser.

Lembro-me sempre desta determinação tardia que, por não lhe ser mais útil, ele me presenteava Fiz um curso técnico de Botânica e abri uma floricultura no centro ao lado do cinema. Há no fundo uma sala de experimentos e estudos. Cultivam-se ali variadas espécies de Orquídeas.

Luísa Ataíde

Fonte:Prêmio Contos para Viagem − Volume dois, Editora Arte Literária, São Paulo, 2006, pp..61-64.

domingo, 8 de maio de 2011

João Guimares Rosa, na fotografia de Maureen Bissiliat- CASA FERNANDO PESSOA ( LISBOA)



Exposição de Maureen Bisilliat traz fotógrafa até Lisboa




“Aprecio imagens aliadas à escrita, frases escolhidas definindo melodicamente a linha da orquestração. Em livros como os de Diane Arbus (1923-1971), de Nan Goldin (1953), há essa orquestração: ritmos, silêncios, acordes, vazios. A palavra, escolhida da produção literária ou pinçada do testemunho biográfico, vem da fala íntima da pessoa, destilada. Seria quase como escrever com a imagem e ver com a palavra.” (Maureen Bisilliat)


A exposição A João Guimarães Rosa permite um olhar simultâneo sobre a produção fotográfica e a produção editorial de Maureen, revelando tanto a fotógrafa como a editora de imagens e textos nesta exposição sobre Guimarães Rosa e o universo do sertão brasileiro e dos seus personagens. Os seus ensaios fotográficos foram sempre concebidos e apresentados em fortes sequências visuais que sintetizam a visão da autora sobre os universos do real e do imaginário, compondo aquilo que denomina de equivalências fotográficas das obras literárias que nortearam o seu trabalho.

Maureen Bisilliat nasceu em Englefieldgreen, Surrey, Inglaterra, em 1931. Estudou pintura com André Lhote em Paris (1955) e no Art Students League em Nova Iorque (1957) antes de se fixar definitivamente no Brasil em 1957, na cidade de São Paulo. Trabalhou como fotojornalista para a Editora Abril entre 1964 e 1972. Autora de importantes livros fotográficos inspirados em obras de grandes escritores brasileiros, expõe em 1985 em sala especial na 18ª Bienal Internacional de São Paulo. Em Dezembro de 2003, a sua obra fotográfica completa, composta por cerca de 16.000 imagens, foi incorporada no acervo fotográfico do Instituto Moreira Salles (IMS) no Rio de Janeiro em função da sua inquestionável relevância no âmbito da fotografia e da cultura brasileiras.

A Casa Fernando Pessoa e o Instituto Moreira Salles sentem-se honrados em trazer esta exposição para Portugal, pois entendem que a síntese entre imagem e texto que Maureen Bisilliat realiza nesta mostra em homenagem a Guimarães Rosa possibilitará ao público português aproximar-se ainda mais deste autor da língua portuguesa que reflecte e regista na sua obra aspectos profundos e determinantes da cultura brasileira, evidenciados igualmente nas marcantes imagens de Maureen aqui reunidas.

terça-feira, 26 de abril de 2011

CLARIDADES


Luiz Martins da Silva


Obrigado, insônia, por parir-me de novo no raso do momento,

Por divisar-me novamente, antes que seja claro o horizonte,

Por sacudir-me, outra vez, antes que fossem de verdade

Todos os meus temores de uma infinidade de infâncias.

Obrigado por retirar do meu rosto o tempo em fios brancos,


(Austera lição de humildade e despretencioso pranto),

Por brincares comigo acenando incertezas de eternidade,

Diante de um espelho que me redivive em mais lembranças.

Queria compartilhar com essa legião de faces em repouso

(Cada um em sua página, vasta literatura de memórias)

O farfalhar das horas, lá fora a brisa brincando de arrasto.


Ninguém por testemunho, só este teclado a quem ordeno:

Anda, não para, vai dizer ao mapa mundi e à humanidade

Que eu acordei para ninar toda a população desta cidade.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

GIBRAN



"Vossos filhos não são vossos filhos.

São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.

Vêm através de vós, mas não de vós.

E, embora vivam convosco, não vos pertencem.

Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos.

Porque eles têm seus próprios pensamentos.

Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;

pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.

Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,~

porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.

O Arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a Sua força para que Suas flechas se

projetem rápidas e para longe.

Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria:

pois assim como Ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estável."




( De "O Profeta" - Gibran Khalil Gibran )

domingo, 10 de abril de 2011

VIRGÍNIA WOOLF



"A nossa vida é uma incerteza. Um cego que revoluteia no vazio em busca de um mundo melhor cuja existência é apenas uma suposição."

terça-feira, 29 de março de 2011

CASCO AO VENTO



            Luiz Martins da Silva

Barro oco,
Barroco barco,
Arco de toco;
Troco, não troço.

Encontrar canoa,
Serventia pluma,
Se não há espuma,
Haja lua de areia.

Escama de sereia
Promessa, viagem,
Travessia a nado,
Do nada ao adro.

Estando ao meu lado,
Convite de embarque,
Pirapora, por ora,
Balsa de pau flutua.

Pintura- Vladimir Kush

segunda-feira, 21 de março de 2011

ENCARAR DE FRENTE



Teresa Ferrer  Passos

Mesmo que seja o infortúnio, o silêncio
mesmo que nada encontre, ou só a dor,
eu tenho de encarar de frente!
Mesmo que a solidão seja rainha,
mesmo que fique sozinha,
eu tenho de encarar de frente!
Mesmo que a dor se imponha ao ser,
mesmo que a cruel verdade possa ser,
eu tenho de encarar de frente
a terrível ilusão de nada ter!

Do livro- Asas no Poente

segunda-feira, 14 de março de 2011

ODE AOS BAÚS



               Luiz Martins da Silva

Temo abri-los,
E deles se esvaia,
Com o tempo embalsamado,
O encanto de acreditar que neles ainda haja
Algum encanto, aguardado.

Talvez, não os tema, propriamente,
Mas que se percam da mística
As pessoas que ocultamos no tempo,
Intangíveis... Antiquárias... Algumas
Ainda em roupas de crianças.
Outras, colegiais. Outras... E mais outras...
Perdidas da espiral de Aquarius...

Recuso-me aceitar que se tenham mudado:
De idade, de cidade,
De país e até da Humanidade.

Baús, essencialmente, baús.
Ou seja, herméticos. De preferência,
Com a fechadura enguiçada.
Quem sabe, assim, conservem-nos,
Como se ainda tivéssemos acesso:
À Ilha do Tesouro,
Às Viagens de Gulliver,
À Cabana do Pai Tomás,
Às criaturas de Monteiro Lobato,
À toda a coleção de Julio Verne,
E até mesmo à nossa mais pura e verdadeira
História de Robinson Crusoé.

sábado, 12 de março de 2011

ZU

z z z z z z z z z z z z z z z z z z z z z z z z z z z u...

 


zzzzzzzzzzzzsaudadezzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz

sábado, 5 de março de 2011

BRILHO EMPRESTADO

               
Luiz Martins da Silva



Por que veio ao mundo torvelinho bravo e turvo,

A cobrir de cisco todo o véu desta manhã?

Suponho um areal de tristezas devolutas,

Suspensos rejeitos de ignotas estrelas-anãs.



Nenhum fato digno de manchete nos jornais;

Ninguém matou ninguém, um raro dia sem raiva;

Nenhuma criança foi pelos pais abandonada;

Nenhum ébrio de desprezo afogando-se em lágrimas.



Qual, então, a razão de insondável e sideral vertigem

A avoar-me da alma a ossatura descarnada?

Alinhamento repentino ao batente mais reles do astral.



Cismo rasteira inesperada de uma onda no repuxo,

Decaindo desde as mais remotas regiões do cosmos,

Na missão de recolher aqui humilde gota de cristal.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

OS GIRASSÓIS AZUIS- conto


É preciso ter o caos dentro de si para dar à luz uma estrela”

                                                                                                                    Nietzsche
 


Da varanda do quarto vê-se uma pequena árvore sem galhos que nas madrugadas produz frutos. A claridade noturna sobre o fruto umedecido, que lentamente tomba em direção à proteção de cimento, age sonoramente. É inevitável acordar. Os primeiros anos eu achava tratar-se de um pé de damasco, esturricado e sobrevivendo cada dia um pouco. Todas as casas da vila são brancas e possuem jardins. Uns plantam rosas, outros margaridas, alguns deixam a grama estender-se como uma extensa cama verde. Recebi a casa com os girassóis ao fundo. Lembro-me da primeira vez que vi a luz do sol  alargando-se sobre as pétalas abertas ao vento. O perfume inundava toda a casa. Imaginei que ali cresceriam os doze filhos que eu pretendia ter. Paulo, Pedro, João, Marcos... todos os apóstolos que o Criador quisesse me confiar correriam entre os canteiros dourados. O jardineiro estava parado junto ao portão e esperava a resposta se eu ia querer seus serviços. Respondi a sua indagação com uma pergunta :


                                                - Eles sempre brilham assim?

O homem olhou para o campo amarelo como se  visse tudo pela primeira vez.
                                                - Os donos da casa foram embora por causa dos girassóis azuis.
                                                - Ahn...

Não quis alongar a conversa e disse não ter interesse nos serviços do jardineiro. Ter um estranho mexendo nos canteiros era totalmente desconfortante. Instruída com manuais de jardinagem, avental e ferramentas que eu nem sabia o nome resolvi cuidar do pequeno quintal. Só percebi a árvore seca na varanda muitos meses depois.
 Às tardes, sento-me no pequeno banco diante do jardim da casa e inevitavelmente lembro-me desta primeira manhã diante do oceano de pétalas. Havia um cavalo grande no fundo do quintal, que se espantou com a minha chegada e correu em direção à mata que contornava as casas da vila. Foi tempo suficiente para ver o rabo de e ouvir o trotar das patas sobre as pedras que completam a trilha à saída do terreno.

                                              - Que belo cavalo, a quem pertence?

O homem olhou para todas as direções e informou não ver animal algum. Foi quando  perguntei sobre o brilho das folhas amarelas. A partir daí chamei secretamente de Encantado o animal de crina e rabo farto. Histórias sobre a casa número um da vila ouvi muitas, durante toda a vida. Que o antigo dono corria as madrugadas entre os canteiros tentando evitar que as pétalas mudassem de cor. Fadado a missão de não deixar que o cavalo comesse as folhas amarelas, pois uma vez sem pétalas as novas folhas, segundo ele, nasceriam azuladas   - corria de um lado ao outro. Sempre que as noites de lua visitavam as casas da vila, o pobre homem sentava no meio do campo florido e chorava copiosamente. Restou, alguns anos depois, levado pela ambulância da cidade, amarrado e aos gritos. A família, em alguns meses, resolveu vender a casa.


No terceiro ano vivendo ali, recebi a notícia da chegada do menino. A espera foi curta pois a notícia, da semana seguinte, foi que ele não mais chegaria. Passei alguns meses sem cuidar do jardim, e entreguei-me a desilusão da orfandade de filhos. Estavam suspensos todos os projetos de pegadas pequenas entre os canteiros amarelos. A parede da sala de jantar é de vidro e pode-se ver o vento balançando as pétalas grandes. Eu segurava ainda a xícara de leite quente entre os dedos quando ouvi o barulho. Era o ruído abafado de um trotar forte vindo de fora, sim era um ruído. Atravessei a porta aos saltos e senti apenas o vento sereno sobre as flores. Tombavam lentamente: caule, folha e pétalas amarelas. Nenhum sinal do bicho.

Sentei-me nos degraus da varanda e percebi que era o chamado de volta à vida. Contudo algo mais me chamara e não  apenas o ruído do que não vira. Sentei-me no segundo degrau da varanda e olhei o que era uma grande bandeira dourada dançando em direção à mata. Senti alguém puxar a ponta do vestido. Era um menino pequeno, minúsculo como um menino polegar. Apontava as aves voando depois da mata. Sorria. Tinha o cabelo  liso e a pele morena. Passei a conviver com o menino algumas horas do dia. Tiago, chamei-o  assim - pertencia ao mundo do que poderia ser. Algo dentro de mim avisava todo o tempo que só eu o via. O menino não falava nunca, embora aparentasse quase quatro anos de idade, comunicava-se por gestos. Um dia,  dei-lhe uma caixa de lápis coloridos para que desenhasse -  apontei-lhe o jardim. Ele ignorou todas as cores: era um jardim, azul, branco e alguns tons de violeta. Tomei-lhe das mãos o desenho e senti uma pequena pressão do lado direito do ouvido.
Anos depois os outros três meninos chegaram a casa. Continuei conversando com o pequeno Tiago diante do jardim quase todas as manhãs. Oito apóstolos deixaram de bater à porta nos anos seguintes. Tive sempre a impressão de vê-los enfileirados, acenando-me em direção à mata. Essa visão franciscana me acompanha sempre antes do sono. Mas, foi dado mais do que o previsto. Contrariando todas as previsões médicas três crianças estavam do lado de dentro da casa. O polegarzinho, ainda, dormia em algum ponto do jardim. Quando os meninos partiam, pela manhã, com mochilas transbordando livros, em direção à escola, ele corria entre os corredores dos quartos. Com o tempo passei a não comunicar aos membros da casa que o menino ainda habitava entre nós. Sossegaram medicamentos, terapias, sobrancelhas arqueadas e risos. Eu estava de volta a pia de louça suja como todas as mulheres da vila. Não há nada mais real e saudável do que uma casa por limpar. Ninguém nunca, contudo, tentou explicar o pé de damasco sem folhas, na varanda do quarto, que produz frutos todos os meses do ano: um único. Um após outro, carnudo e doce.

 Luísa Ataíde
óleo sobre tela- O Encantado (L.A )

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O SEMEADOR DE ESTRELAS

Existem momentos em nossa vida que por mais que queiramos não conseguimos enxergar o óbvio.

O Semeador de Estrelas é uma estátua localizada em Kaunas, Lituânia.

Durante o dia passa despercebida.


Mas quando a noite chega, a estátua justifica seu nome...



Gentilmente enviado por Jaciara Bezerra

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

HELENA SEM VÉU


"Vida limpa, mente aberta, coração puro, intelecto ardente, clara percepção espiritual, afeto fraternal para com todos os seres, presteza para dar e receber conselho e instrução, leal senso de dever para com o instrutor, pronta obediência aos preceitos da Verdade, corajoso suportar das injustiças pessoais, destemida declaração de princípios, valente defesa daqueles que são injustamente atacados e mira constante no ideal de progresso e perfeição humanos que a ciência secreta revela - eis a escada de ouro por cujos degraus pode o aspirante galgar até o Templo da Sabedoria Divina."

Sgundo os Mestres ,A Verdade sobre tudo que compõe o Universo é encontrada por discípulos certos, na hora apropriada - nem antes e nem depois. Falar de Helena Blavatsky é falar de rebeldia e audácia de tudo que refere-se aos ensinamentos ocultos, à Sabedoria inalcansável aos mortais comuns. Helena P. Blavatsky revolucionou o aprendizado do ocultismo e não satisfeita revelou os segredos ao mundo ,em seus livros,  numa época que os Iniciados consideravam ainda não estar a humanidade preparada  para tanto. Foi perseguida,  o que vez  sua biografia digna de enredo de  filme de ação: com direito a explosões, passagens secretas, enigmas e livros proibidos.
 Helena Petrovna Blavatsky  nasceu à meia-noite de 30 para 31 de julho de 1831, na Rússia. Sua história é repleta de fatos inusitados, pois a busca de conhecimento foi sem dúvida o lema primeiro de sua vida.  A sua família pertencia à classe dominante da Rússia,  sendo conhecida em toda a Europa. Helena contudo sempre rebelou-se aos princípios convencionais e criou os seus próprios princípios que viriam a revolucionar o mundo que a cercava. Helena tinha uma inata capacidade psíquica, demonstrava uma faculdade de comunicar-se com os habitantes de outras esferas ou mundos invisíveis e sutis.

Em 1851,  sob a orientação dos Mestres, aprendeu a controlar e dirigir as suas forças, participando, segundo ela mesma, de várias e extraordinárias experiências nos domínios da magia e do ocultismo. Foi para o Himalaia, estudou em mosteiros e com essa experiência escreveu o livro The Voice of Sitence (A Voz do Silêncio). Em 1873, viajou para os Estados Unidos. Publicou Isis Unveiled (Isis sem Véu), em 1877; e The Secret Doctrine (A Doutrina Secreta), em 1888, a sua mais importante obra. Ajudou a fundar a Sociedade Teosófica.  A instituição expandiu-se rapidamente por todo o mundo. A fase mais brilhante e produtiva de Helena Blavatsky foi a que se passou na Inglaterra entre os anos de 1887 e 1891. Suas idéias ganharam mais espaço a partir do século XX, onde ela apresenta uma nova visão da história, da origem do homem e do universo, da pluraridade dos mundos e dos estados da consciência. Ela passou aos planos superiores em 8 de maio de 1891.

"Há só uma passagem até ao Caminho; só chegando bem ao fim se pode ouvir a Voz do Silêncio. A escada pela qual o candidato sobe é formada por degraus de sofrimento e de dor; estes só podem ser calados pela voz da virtude. Ai de ti, pois, discípulo, se um único vício que não abandonaste ainda sobrevive; porque então a escada se abaterá e far-te-á cair; a sua base assenta no lodo fundo dos teus pecados e defeitos, e antes que possas tentar atravessar esse largo abismo de matéria, tens de lavar os teus pés nas águas da renúncia. Acautela-te, não vás pousar um pé ainda sujo no primeiro degrau da escada. Ai daquele que ousa poluir um degrau com seus pés lamacentos. A lama vil e viscosa secará, tornar-se-á pegajosa, e acabará por colar-lhe o pé ao degrau; e, como uma ave presa no visco do ardiloso caçador, ele será afastado de todo o progresso ulterior. Os seus vícios tomarão forma concreta e puxá-lo-ão para baixo. Os seus pecados erguerão a voz, como o riso e o soluço do chacal ecoam depois do sol se pôr; os seus pensamentos tornar-se-ão um exército e levá-lo-ão consigo, como um escravo cativo."

" Lembra-te, tu que lutas pela libertação humana, que cada fracasso é um triunfo, e cada tentativa sincera a seu tempo recebe o seu prêmio. As santas sementes que brotam e crescem invisíveis na Alma do discípulo, dobram como juncos mas não quebram, nem podem elas perder-se. Mas quando a hora soa, desabrocham."- A VOZ DO SILÊNCIO.

Nota: Mais  sobre a escritora em:  Helena Blavatsky 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

OS DIAS DO SENHOR



O veneno dos animais que se arrastam pela terra não os afastam de ser criaturas do Pai. A lama que forma-se pelas águas que deslizam sobre as casas , assim como as estações de extrema seca não tiram destes dias - serem Dias do Senhor. Os movimentos extremos da natureza, o veneno e a mordida dos animais são particulas do equilíbrio que necessitamos. Aceitemos o voo do pássaro e o arrastar da víbora, as tempestades e os dias de sol. São todos dádivas do Pai.

(sopro ao ouvido)