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quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O ESTRANGEIRO




Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo o entendimento.
Clarice Lispector


Sempre que anoitecia o homem sentava-se à mureta e observava. Olhava as pessoas  e a pressa que elas tinham. Morava sozinho na última casa da rua e achava a noite grande e o silêncio que ela emitia parecia jogar-se em direção a ele. Por isso e tão somente saía à noite. As paredes , em demasia , arrastavam pequenos sons . O homem olhava em volta: o banco, o espelho , o fogão. Todos queriam falar ao mesmo tempo e antes que tivesse que responder alguma coisa , vestia o casaco e ia. Lá fora as pessoas aceleravam em direção às portas e entravam nos prédios como galinhas de volta ao ninho, estupidamente sonâmbulas:-comandadas apenas pelo arrastar das horas. Da mureta o homem observava. Olhava os próprios pés e mãos e certificava-se que eram  ainda prolongamentos do corpo. Melhor são as flores, pensava. Ele trabalhava no jardim de um grande prédio no centro da cidade , cuidava do lago e erguia os canteiros. Conversava com as plantas , horas a fio , e elas respondiam num trocar de idéias sem fim. As pessoas olhavam o homem murmurando e quase todas riam. Nunca entendia o riso e ,às vezes, arriscava-se perguntar o que estava acontecendo Recebia o silêncio. Sendo assim não lhe restava nada mais que a companhia das plantas. Era um jardineiro plenamente feliz com seu ofício. Na hora do almoço, entrava na biblioteca do prédio e folheava os livros de Botânica Olhava as fotografias e perdia-se no labirinto de flores multicores e nomes indecifráveis. Em casa, à noite, as paredes tentavam conversar porque sabiam que ele dominava idiomas raros.

Sempre que amanhecia ele pulava da cama e em poucos minutos estava na rua. Antes de fechar a porta olhava as paredes da sala e não negava-lhes resposta ao aceno de: -Tenha um bom dia!
Quando chegava ao trabalho , cumprimentava o porteiro que nunca respondia. O homem olhava mais uma vez as mãos e os pés para ter certeza que ainda eram seus. Sua invisibilidade o angustiava e esforçava- se por um "Bom dia" mais sonoro: inútil . Retornava, então, às flores.

Sempre que anoitecia sentava-se na mureta da rua e observava. Observava os outros homens que não conhecia e os que caminhavam , lá do começo da rua. Não sabia seus nomes nem suas histórias. Todos eram estranhos entre si. Temiam-se quando distraidamente tocavam-se e guardavam as mãos dentro dos bolsos. Com o passar do tempo como as pessoas não lhe dirigiam a palavra , restava-lhe apenas decifrar a a linguagem das folhas e flores . Respondia às indagações das paredes e com o tempo de todos os objetos da casa. O orgulho dos homens, pensava, é como a imobilidade das pedras: inútil e grande.

Havia as cores das flores: o burburinho que elas faziam quando ele chegava pela manhã e a cantoria de despedida no fim da tarde. Dizia adeus às pedras, devolvia-lhes o aceno.
_Vem trabalhar amanhã? Soou o grito perto do muro. Era uma borboleta pousada sobre o portão de saída.
_ Não entendi  o que você falou, mas amanhã prometo que conversaremos ! Despediu sorrindo.
Desceu os degraus e caminhou em direção ao ônibus no final da rua. Misturou-se a multidão feita de desconfiança e silêncio. O homem era só um ponto no rio de pernas descendo a avenida.
L.A

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