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sábado, 24 de setembro de 2011

T- BONE, O FILÉ CULTURAL

CRÔNICA DA CIDADE- 20/09/2011 , SEVERINO FRANCISCO
CORREIO BRAZILIENSE
Se alguém me perguntasse quem são os 10 mais admiráveis cidadãos brasilienses que conheço, eu apontaria, sem titubear, o baiano Luiz Amorim, proprietário do Açougue T-Bone, como um dos nomes a figurar na lista. Em Brasília, os poderosos costumam sugar a carótida da cidade como se fossem condes dráculas, sem doar absolutamente nada em troca. Nesse cenário, Amorim é um exemplo de consciência coletiva, sensibilidade social, generosidade e audácia.

Numa cidade em que se privatiza tudo, em que alguns se acham donos das avenidas, das calçadas, da orla do Lago, da noite e até do silêncio, ele vai na contramão e realiza projetos culturais verdadeiramente de qualidade, com acesso gratuito, demostrando que popular não é (necessariamente) sinônimo de porcaria. Não é por acaso. Luiz se alfabetizou no açougue, lendo Aristóteles, Platão, Plotino e outros filósofos gregos, aprendendo que o homem é um animal político e que o lugar da democracia é a praça pública.

Ele está no lugar certo, pois os criadores de Brasília, Lucio Costa e Oscar Niemeyer, também pensavam assim, reservando amplos espaços para manifestações coletivas políticas, culturais e festivas, em escala monumental. Lucio não estava mais vivo quando surgiram as Noites Culturais do T-Bone, mas ele escreveu sobre o Projeto Cabeças, em que os jovens ocupavam as superquadras com música, performances e arte, na década de 1980: “Enquanto os maiorais, confinados nas suas monumentais redomas, brincam de administração e política, no ar livre das quadras das áreas de vizinhanças, esses bons samaritanos ensinam os usuários da cidade a vivê-la”.

As Noites Culturais do T-Bone são, em certo sentido, um desdobramento dos concertos do Projeto Cabeças. A diferença de Luiz Amorim é que ele transforma os sonhos em realidade rapidamente. E foi assim que, num típico impulso de nordestino delirante, idealizou e montou as bibliotecas populares nas paradas dos ônibus.  Pela primeira vez, qualquer cidadão teve, efetivamente, acesso direto ao livro, sem necessitar de qualquer burocracia. O processo é educativo, quem não devolve tem a clara consciência de que está praticando um crime contra a comunidade.
Luiz Amorim pensa grande e, por isso, a comunidade abraça os seus projetos. As Noites Culturais começaram como pequenos saraus, mas, agora, os shows reúnem de 8 a 10 mil pessoas na 312 Norte. Brasília clama por lazer gratuito, vida comunitária e cultura que eleve o espírito. Os shows de músicos de ponta nas salas de espetáculo nobres da cidade custam de 300 surreais para cima.

Claro que qualquer festinha ou festa, em casa ou na rua, altera a rotina e causa transtornos circunstanciais. E desconfio que, por morarmos em uma cidade organizada demais, nós, brasilienses, sofremos de uma síndrome do medo de qualquer alteração da rotina. Mas, como bem disse Luiz Amorim: receber Milton Nascimento na porta de casa é um luxo. Encantados com essas celebrações cívicas nas superquadras da capital do país, Tom Zé, Lenine, Milton Nascimento e outros que tocam nos melhores palcos do mundo estão se autoconvidando, generosamente, para tocar nas Noites Culturais do T-Bone.

Música não é sinônimo de barulho. Brasília não pode ser conhecida apenas pelos currais eleitorais e pela lama que eles espalham na imagem da cidade. Precisa ser reconhecida também como um lugar onde as pessoas amam a arte, a cultura, a inteligência e os lumes do espírito.

Vamos apoiar o Luiz Amorim para  que ele continue a nos oferecer os seus magníficos e democráticos filés filosóficos, literários, poéticos e musicais.

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