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domingo, 21 de outubro de 2012

ASAS DO PARAÍSO




Luiz Martins da Silva


 
 
Há tênues fronteiras no Éden,
Mas elas não são cidadelas,
Nem muralhas, nem prisões.
 
 
Por isso, aparecem aqui.
Por distração se desgarram,
Já não reencontram portais.
 
 
Os mais puros e os mais belos
São todos suspeitos fujões,
Com certeza, os colibris.
 
 
Desconfio de aparências:
Borboletas, pássaros, flores...
Mas cismo também de ti.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

MEL PARA FORMIGAS

Se você quando jovem teve a sorte de viver em Paris,
então a lembrança o acompanhará pelo resto da vida,
onde quer que você esteja, porque Paris é uma festa ambulante.
Ernesto Hemingway , do livro Paris é uma festa



Os Plátanos outonais que forram as praças que cercam a Champs Élysées nas manhãs de setembro são um tapete de folhas siennas que estalam sob os pés. Em que cidade as praças são douradas e as cúpulas e portões das catedrais nos gritam uma realeza que conhecemos apenas dos contos de Grimm. Estamos em Paris, a babel turística do mundo. Como distinguir um cidadão parisiense que vai para o trabalho, nos milhares de casacos escuros e botas de salto fino. Para nós, brasileiros em férias, eles representam a elegância de ser. Para eles, talvez leiamos a sorte por algumas moedas, talvez esbanjemos ouro. Na verdade somos a essência da mistura. Nem brancos nem negros, nem ricos nem pobres, e dizem que estamos na contramão econômica do mundo. Não que tenhamos tesouros, na verdade nosso grande segredo é o riso. O ruidoso riso de grupos de pessoas misturados à discrição e polidez de uma cidade. Senti isto, no trem que nos levava a Versalhes. Um grupo de músicos, não sei a nacionalidade, tocava instrumentos de sopro e corda, o que alegrava a viagem. Há quanto tempo eu não ouvia:

Ai, ai, ai.. ai.... está chegando a hora... o dia já vem raiando meu bem eu tenho que ir embora...

Cantamos como um grupo  colegial em férias. Provavelmente, pensei, enquanto o trem avançava: no Brasil, conhecemos a versão em português do folclore do mundo. Na verdade, descobri depois que  esta alegria melodiosa que dava a viagem um ritmo de infância festiva vem do México. Concluí na minha lógica latina que além das moedas ao chapéu estendido, poderíamos em agradecimento sorrir. De muitos passageiros do trem, os músicos não receberam uma moeda, um sorriso, um olhar.

Volto minhas recordações a esses dias em Paris. Nós nunca esqueceremos os jardins perfeitos em delicadeza e cores. O Grand e o Petit Palais, os corredores majestosos do Louvre. Nós nunca esqueceremos a elegância dos franceses e nossa estupefação à moça que pega o dinheiro e com a mesma mão escolhe o pão que nos entrega, sem lavá-las, sem a proteção de um guardanapo. Nós nunca esqueceremos as lojas cheias e os perfumes esplendorosos. O torcer do nariz quando eles percebem que você fala  francês com sotaque e a delícia que é jantar queijo e vinho na terra de Luis XV.

Estima-se que quinhentos mil brasileiros visitem Paris todos os anos. Por semanas deixamos nossas vidas  e atravessamos o oceano. Oxalá, a nossa simpatia e alegria contaminem as ruas históricas da capital turística do mundo. Que possamos compartilhar o que aprendemos nesses quinhentos anos de existência: superar as adversidades, e como dizemos  aqui: não desistir nunca. Ensinar e aprender fundem-se em compartilhar. Eis o verbo que resume a sabedoria da modernidade.

Luísa Ataíde

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

SONATA PARA INSÔNIA

 
Luiz Martins da Silva
I

Sete notas musicais,
Sustenidos e bemóis.
Nos ouvidos são átomos,
De passados atonais.

II

A ânsia melódica da chuva
Soa na madrugada inventada.
Quem a compôs monocórdia,
Mas de tão doce, lavada?

III

Solfejo de uma nota só,
Tão somente si e si,
Ou se algum perdido dó
De brisa toca no vidro...

IV

Percussão de xilofone,
Assovio de cupido,
Cri-cris de grilos conspícuos,
Vozes em pingos, alaridos.

V

Alaúde, bojo mudo,
Toque de caixa hermética,
Fofas notas sobre folhas,
Já salivação de húmus.

VI

Esgueiram-se gueixas esguias,
Salientes lascivas lesmas,
A sair lambendo laivos,
Agora, que o tempo deixa.

VII

Eu, ainda sonho de nuvem,
Nego a antevéspera do estrume.
Mas, cismo, um dia túmulo,
Regado a saudades muxoxas.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O CÃO





LUIZ MARTINS DA SILVA



Não sei o que de concreto contempla

Do mundo pela janela em neblina.

O dia, opaco, a existência infinda.

Eu é que vejo desertos, caravanas.






De repente, algo o incomoda, ladra,

Como se ainda existissem ladrões

E ameaças a circundar cidadelas.

Eu é que diviso pontos, muralhas.





Dali a pouco, recolha, novelo.

Já não é nem lobo, nem matilha,

Dormitando o casulo emprestado.




Estamos juntos, desde nossas gêneses.

Ele, até hoje, sem dias de amanhã.

Eu, cinjo o pescoço com um novo nó.

sábado, 4 de agosto de 2012

DOM DE VOAR


Luiz Martins da Silva



Esses versos, tão pequenos
Já herdei-os assim:
Ânsias de não sei o que,
De não sei quem os plantou,
Remotas lavouras de mim.


Às vezes, afoitos, leves,
Míticos, teimam em voar
Para algum lugar a Leste,
Onde é passível planar
Em consonância de brisas.


Outras, um instinto perverso
Os impede de sonhar,
Abandonando-os à míngua,
Num barco sem leme,
Sem remos, no meio do ar.


Sobrevivem, voltam sempre,
Pelos instintos de amar,
Que levam sempre a um porto
Nas asas de qualquer tema,
Ora, de ir; hora, de voltar

quinta-feira, 26 de julho de 2012

ORAÇÃO CELTA DO AMOR


Que jamais, em tempo algum,o teu coração acalente ódio.
Que o canto da maturidade jamais asfixie a tua criança interior.
Que o teu sorriso seja sempre verdadeiro.

Que as perdas do teu caminho sejam sempre encaradas como lições de vida.
Que a musica seja tua companheira de momentos secretos contigo mesmo.

Que os teus momentos de amor contenham a magia de tua alma eterna em cada beijo.

Que os teus olhos sejam dois sóis olhando a luz da vida em cada amanhecer.
Que cada dia seja um novo recomeço, onde tua alma dance na luz.

Que em cada passo teu fiquem marcas luminosas de tua passagem em cada coração.

Que em cada amigo o teu coração faça festa, que celebre o canto da amizade profunda que liga as almas afins.

Que em teus momentos de solidão e cansaço, esteja sempre presente em teu coração a lembrança de que tudo passa e se transforma, quando a alma é grande e generosa.

Que o teu coração voe contente nas asas da espiritualidade consciente, para que tu percebas a ternura invisível, tocando o centro do teu ser eterno.

Que um suave acalanto te acompanhe, na terra ou no espaço, e por onde quer que o imanente invisível leve o teu viver.

Que o teu coração sinta a presença secreta do inefável!

Que os teus pensamentos e os teus amores, o teu viver e a tua passagem pela vida, sejam sempre abençoados por aquele amor que ama sem nome. Aquele amor que não se explica, só se sente.

Que esse amor seja o teu acalento secreto, viajando eternamente no centro do teu ser.
Que a estrada se abra à sua frente.

Que o vento sopre levemente às suas costas.

Que o sol brilhe morno e suave em sua face.

Que respondas ao chamado do teu Dom e encontre a coragem para seguir-lhe o caminho.
Que a chama da raiva te liberte da falsidade.

Que o ardor do coração mantenha a tua presença flamejante e que a ansiedade jamais te ronde.
Que a tua dignidade exterior reflita uma dignidade interior da alma.
Que tenhas vagar para celebrar os milagres silenciosos que não buscam atenção.

Que sejas consolado na simetria secreta da tua alma.
Que sintas cada dia como uma dádiva sagrada tecida em torno do cerne do assombro.
Que a chuva caía de mansinho em seus campos...

E, até que nos encontremos de novo...
Que os Anjos lhe guardem na palma de Suas mãos.
Que despertes para o mistério de estar aqui e compreendas a silenciosa imensidão da tua presença.

Que tenhas alegria e paz no templo dos teus sentidos.
Que recebas grande encorajamento quando novas fronteiras acenam.
Que este amor transforme os teus dramas em luz, a tua tristeza em celebração, e os teus passos cansados em alegres passos de dança renovadora.
Que jamais, em tempo algum, tu esqueças da Presença que está em ti e em todos os seres.

Que o teu viver seja pleno de Paz e Luz!

quinta-feira, 5 de julho de 2012

AO PRÓXIMO


Dai-nos a palavra
que abre celas
que anestesia dores
que clareia os dias.


Dai-nos a palavra
que abre o riso
que ampara, que celebra esperança
e canta alegria.


Dai-nos a palavra
que nada pede,que equilibra
 que se entrega pelo riso alheio.


Dai-nos a palavra
que nos ensina a ser irmãos
que une as mãos silenciosas da prece.
Dai-nos a palavra
Amor

Reflexão- (Sopro ao ouvido- 4/7/2012)

quinta-feira, 28 de junho de 2012

REFLEXÃO





Dormimos nas cavernas escuras de nossos sentimentos
Ancoramos inertes no fundo de uma vida que estagna-se.
Necessário abrir os olhos da amorosidade.
Não há noite.
Há um dia claro
Sob as águas abissais de nossos corações
As flores cantam e vibram
As florestas crescem , a luz do sol avança.
A criação abre suas flores e frutos e nos dá dádivas de alegria.
Necessário trabalhar o contentamento para se chegar a alegria
A amorosidade edificará o pleno amor ao próximo
A plena felicidade de ir em frente.

(sopro ao ouvido- 27/06/2012)

quarta-feira, 27 de junho de 2012

TERESA FERRER PASSOS





"  _  Sinto no meu coraçao a ideia de que a vida é um feitiço maravilhoso; esta vida que eu tenho brotou das paredes da morte em que repousva nesse grande ovo, com movimentos quase imperceptíveis, e depositado nas margens arenosas e húmidas deste rio suave como a espuma de um mar imenso..."
                                                  Teresa Ferrer Passos (Lisboa- PT)
                                          Em: O Grão de Areia, contos- Universitária Editora, 1996.

terça-feira, 12 de junho de 2012

CARRAPICHO



             
um poema de amor

  Luiz Martins da Silva 


Guardei-a, afeito ao rijo e rude velcro,
Às melhores imagens de um bom tempo;
Ainda lá, no mesmo nicho, bem estreito,
Cingindo-nos em único e presto arbusto.


Lábios mais são garras, unhas de agregar vinhas;
Andorinhas, notas, pingos, chuviscos, melodias...
Mais ainda são os olhos, claves da memória;
Justo o não-sólido é o que mais se faz lua cheia.

Exatamente, por não se ferirem de matéria,
São majestosas geometrias, invisíveis catedrais,
Tapetes do sem fim pelos mármores da ternura.

 Sou, hoje, ávido grude, minha parte temerária;
De buscar a ti e a tua parte, nem sempre sôfrega,
De viver como eu, o que é de nós e o quanto antes.

sábado, 9 de junho de 2012

PERCEPÇÃO









"Nós aprendemos a conhecer Cristo de modo particular através dos missionários cristãos, e foi, muitas vezes, seu modo de ser cristão que nos escondeu Cristo. Até hoje eles têm procurado destruir nossas práticas religiosas com sua doutrina, forçando-nos a combatê-los para nos defendermos. Quando o homem luta, ele não é isento nos julgamentos. Assim nós, todos envolvidos pelo combate, ao golpear os cristãos, golpeamos também Cristo. E pensar em golpear como inimigos os grandes homens da terra é um suicídio. Na realidade, demonstrando o ódio pelo inimigo, estamos envilecendo os grandes ideais de nosso país, estamos nos apequenando."



Rabindranath Tagore - NOBEL DE LITERATURA,1913.

NOTA:

Rabindranath Tagore nasceu em 7 de maio de 1861, em Calcutá, Índia, então sob domínio britânico. Tagore era filho do reformador religioso hindu chamado Devendranath Tagore, que se encarregou de sua educação por não concordar com as coerções do ensino clássico. Entre 1878 e 1880, o escritor esteve na Inglaterra e conheceu a literatura e a música européias. O gênio prolífico e criativo do escritor se traduziu ao longo da vida numa vasta obra que abrangeu todos os gêneros e estimulou a renovação da literatura em língua bengali.Tagore faleceu em Santiniketan, Bengala, 1941, em 7 de agosto de 1941. Aclamado por Gandhi como "o grande mestre" e reconhecido por todos os indianos como "o sol da Índia".




domingo, 27 de maio de 2012

UM BOSQUE NEGRO DE LUZ



MARIA AZENHA- Portugal


  ele voltou a cabeça.
  não revelou os gestos........que  talvez os olhos
  fossem cegos
  iluminou-se entre pequenas faúlhas de ciprestes
  interpelou as árvores dos bosques com poemas de acenos
  ao crepúsculo,

  estávamos às escuras.
  disse: isto é o mundo

  temos de o percorrer............com  vogais nas mãos
  e os pés unidos........em  forma de borboleta
  colocar asas na boca..........porque  as imagens não
  podem voar para trás.........respirar  nos frutos
  de cara voltada para a luz

  quando fechei o livro,.........ele  tornou a
  voltar a cabeça.
  sabia que dançar é a história do Uni-verso
  vi-o de costas............era  belo
  e cego.


domingo, 20 de maio de 2012

VERSOS ÍNTIMOS





Augusto dosAnjos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!


Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.


Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.


Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija.


Gentilmente enviado por Osmar de Oliveira Aguiar

sábado, 28 de abril de 2012

EXTREMA FIDELIDADE (Mini conto)



                              Dedicado a Armando José ( Um amigo querido)



Tente acompanhar   agora o ruído do relógio, não há como evitar que os ponteiros caminhem,   mas vem o dia que, por se ter provado o fruto, a gente se descobre nu. Mas há os antes e foram estes:

Era o seu quinto aniversário. O ruído da louça e o cheiro de   bolo  trouxeram-no à cozinha. Expiou e por detrás da cortina. Puxaram-no.   Vieram as ordens: Tomar banho, lavar as orelhas, cortar as unhas. Não   suje a roupa. Senta aqui. Ah, tira a mão do bolo!

− Como você está bonito!

Chegaram os tios,  os primos. Veio aquele presente   comprido, outros pacotes. Ah, aquele presente enorme... aquele presente.   O tio abriu-o bem debaixo do seu nariz:

−     Cuide dele, não deixe ninguém riscar.

Era um espelho. Sobre ele uma gravura chinesa. O menino   passou a ser parte da gravura. Vieram os parabéns, o sopro, os abraços. O   menino na gravura, grudado nela. O espelho colocado no canto da sala   refletia seus olhos grandes. Duplicou a música, triplicou os balões,   eternizou o “Viva!”

−     Cuide bem dele.

O dia seguinte acordou-o cedo. Correu à sala. Rastros de   bolos no espelho.Não viu. A gravura quase branca sobre o vidro era tão...Viu-as. Moscas passeavam tranquilamente por seu território.  Refletiam as patas sobre o desenho claro. O guardião do templo saiu à   porta, olhou os campos. A respiração foi freando, freando, muitas vezes.   Desceu-lhe o suor dos grandes guerreiros. Correu à porta da cozinha,   puxou a vassoura. Ergueu sua espada por sobre a cabeça e disparou de   volta. Antecipando toda a força do homem que um dia haveria de ser,   arremessou-a em direcção ao inimigo.

O barulho dos cacos acordou a casa, o barulho da casa   sacudiu-lhe os ombros.

Luísa Ataíde

quinta-feira, 26 de abril de 2012

O SORRISO DA BORBOLETA


FERNANDO PASSOS- Lisboa, Portugal

O Sorriso da borboleta surgiu sem avisar no espelho negro
E esvoaçou por instante em torno do meu rosto.
O azul das paredes tornou-se mais escuro.
Em letras prateadas, surgiu uma fórmula no ar.
Empalideceu a luz de néon.
Caíam frases secas, uma a uma , no papel.
Corou Gioconda de vergonha,
Ante o mais estranho dos sorrisos.

Imagem- Flicr, amigos do Poeta.