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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

OUVIU-SE A LUA CHORAR




Este pequeno conto,

OUVIU-SE A LUA CHORAR,

para o André, no dia do seu aniversário, 12 de Outubro
com um abraço de parabéns,
Teresa

A noite encerra as estrelas. Ninguém delas se aproxima. Os homens têm medo das estrelas. Recusam aproximar-se delas. Gostam de as olhar quando estão distantes, no céu.
Ontem, uma mulher procurava a Lua, pela janela do quarto. Aí, onde o ar era coado pela dor, costumava haver luar. A luz do luar, uma estranha e acolhedora luz. Era essa luz branda que ela costumava ter por companhia todas as noites. Precisamente, ontem, a Lua onde estava? Porque deixara de ser visível? Quem a fizera desaparecer? Alguém, na noite, a roubara? Quem destruíra a única luz suave que lhe restava?
A mulher, com a solidão dentro do coração, olhava o céu e via as estrelas, mas era a Lua que ela amava. Que acontecera naquela noite? A Lua ficara ausente. Por quanto tempo se retirara, por quanto tempo a suave luminosidade fora afastada sem dar um ai, sem dizer um adeus ou dar um último sinal?
Lá estavam, no céu de breu, os débeis cintilares das pequeninas estrelas longínquas demais. Só o encantamento do luar não pousava no coração da mulher que nada mais tinha de seu, nada mais a conseguia ainda seduzir.
Inconformada, aquela mulher a viver só do gesto doce do luar, correu para as outras janelas da casa, em desatino, num desvario de interrogações. Olhava. A Lua ali, no céu, nem sequer dava de si uma amostra simples, uma sombra breve. O astro a transparecer ternura não lhe aparecia.
Então, decidiu correr a abrir a telefonia; talvez umas notícias a informassem do que se passava. Mudou de posto até começar a ouvir a música de Eric Satie. Sentiu-se embalada, mas o seu coração não queria ouvir Satie, não era essa melodia funda e cheia de paz que, naquele momento, desejava.
Um desespero sentiu no corpo todo. Apertou-lhe a garganta a emoção. Lembrou-se das miríades de poemas em que a Lua passava como um barco a guiar cada palavra. Lembrou-se dos contos da sua infância em que a Lua era a defensora dos bons. Escutou, na amargura do seu coração, Francisco de Assis a louvar a irmã Lua. Um silêncio emudecido no céu, ouviu assustada.
Depois voltou a sentir em si aquela doce melodia de Satie, insistiu, mas nem mesmo os sublimes sons lhe faziam esquecer a maravilha da imagem a recortar o escuro. Nada lhe trazia tanto essa concórdia que a serenava, depois de um dia de trabalho duro e talvez sem paga.
Ligou a televisão. Era a hora de mais um telejornal. Tantas desgraças neste planeta envolvido no azul do céu, tão belo visto do espaço como disseram os astronautas. Tornados que levaram casas, pessoas sob milhares de quilos de cimento armado, armadilhas de terroristas que matam as pessoas que passeiam pelas praias e pelos bosques sem nada suspeitar, trombas de água que derrubam edifícios matando as famílias e os amigos que festejam um casamento que venceu todos os obstáculos e sobe ao altar do amor.
Ela, uma dessas mulheres de coração partido pelo desprezo do homem que não a amara, só na Lua conseguira encontrar uma água fresca que a não deixava tornar cadáver. Começou de novo a ouvir o telejornal. Perdera já algumas notícias. Teriam falado de alguma desgraça na Lua? Mas a Lua, quem dela iria falar entre tantas tragédias aqui, na Terra?
A mulher amesquinhada pelo cruel destino, sentia o coração palpitante, inseguro, em expectativa. Ia escutar mais uma notícia, quem sabe se não lhe daria alguma palavra a indiciar uma qualquer tragédia, acontecida precisamente à Lua?
Sabia da pouca probabilidade de uma tragédia lunar. Aí tudo era sereno. Não havia ar, nem água, nem atmosfera, nem qualquer ruído. Nem tão pouco homens para agredir a sua paz. A Lua era um pequeno planeta que o homem visitara, sem ter tido a honra de alguém o receber. Ali tudo era vazio, só crateras, declives, poeira imensa. Mas à distância da Terra que perturbação de amor ela alcançava! Sem homens para nela fazer qualquer transformação, à Lua nada a podia perturbar. Vivia eterna, em saudosos reflexos de luz. Disso tinha a certeza. Não podia ter dúvidas.
O sonho desvanecia-se na mulher abandonada, de coração cheio de emoção. Estava já para desistir de ouvir mais uma só notícia sobre a Lua desaparecida, quando ouviu o locutor dizer: «Um foguetão da NASA foi direccionado à Lua; este objecto provocou um impacto com a força de um furação e provocou uma funda cratera no solo lunar».
Tudo estava explicado. A mulher soube assim que a Lua fora abalroada por uma avançada tecnologia de cientistas empenhados em descobrir água no subsolo pacato dessa Lua onde não havia mortes, porque não havia também tempestades nem violência humana.
De súbito, a mulher começou a ouvir um choro. Fechou a televisão. Abriu a janela do quarto. Viu, com espanto, a Lua. Mas a Lua estava a chorar. E ao vê-la chorar, a mulher chorou também. O luar derramava lágrimas, mas estava ali, voltara para ser um companheiro dos seus olhos. Uma Lua amolgada, com uma luz menos intensa, ferida no coração como aquela mulher, mas mesmo assim, com esperança. Como aquela mulher via na Lua a ternura que lhe faltava, a Lua via nela uma certa humanidade. E essa não era representada pelos cientistas inventores do foguetão disparado pela NASA.

10 de Outubro de 2009
Teresa Ferrer Passos

2 comentários:

Unknown disse...

Nossa! muito obrigado Tereza pela gentileza deste presente especial!
Deco.

jorge vicente disse...

e esta história me fez comover, minha Amiga.

grande abraço
jorge